quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Aquela Sensação Estranha

Um pouco de Oiticica.

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Aquela Sensação estranha

Fazia calor na rua, por isso haviam dois ventiladores ligados jogando ar fresco nos dois corpos. Ele se despia e a despia, uma peça de cada um por vez, ele tirava a blusa dela a deixando somente de sutiã, em seguida tirava a sua camisa também, tocava os ombros dela e lhe tirava seu sutiã, a deitava na cama e subia por cima dela. Encostavam os dois peitos nus um no outro, ela mais ofegante que ele. Lhe beijava o pescoço, descia sua mão até o interior da calça, com delicadeza colocava os dedos dentro da calcinha e sentia o calor que vinha dali. Soltava o botão da calça jeans, segurava pelas pontas e a retirava. Podia ver ela nua, só de calcinha, uma calcinha branca. A barriga fazia um pequeno volume, beijava a barriga. Atravessou sua mão acariciando dos joelhos até a cintura, passando sua mão por debaixo da calcinha, segurou e a deixou nua. Os dois corpos estavam nus. O quarto era num prédio de frente a um terreno com longo espaço até o outro prédio, as cortinas estavam mal fechadas e a janela permanecia aberta, por ali entrava um vento que era mais fresco que o que sai dos ventiladores, que mais jogavam um vento quente.

O clima estava ótimo, isso não se podia negar, o nervosismo era alto, mas não pensavam muito nisso agora. Ele pega o preservativo, veste. Se aproxima dela, que lhe virava o rosto, mas mesmo assim, com sua delicada mão ajudava-o a penetrar. Ela fez uma cara de relativa dor, como se tivesse levado uma fisgada, ele lembrou que ela era virgem. Sussurrou em seus ouvidos para deixar entrar tudo, que iria doer mais no começo, mas depois seria melhor. Ela deixa, ele vai penetrando tudo, até não poder mais. Quando termina fica um pouco parado, deixando o pau lá dentro, para ela se acostumar. Não muito, pois estava muito ansioso para começar o movimento de ir para frente e para trás. Nos primeiros segundos ela faz uma careta, mas logo se percebe que relaxou. Ela abre bem suas pernas, para que ele pudesse penetrar mais fundo, se esforça para não a decepcionar. Ela lhe abraça, ele a abraça também. A comprimia contra seu corpo, sentia o vento quente do ventilador em sua bunda, e a brisa fresca que vinha das árvores ali próximas em seu rosto. Ela ainda evitava de lhe virar o rosto, mas assim que era impossível manter essa frieza, ela vira o rosto e o olha, fecha os olhos e o olha, constantemente. Passa a mão nas costas dele, começa a enfiar as unhas nas costas dele, mas desiste. Ele sente ela relaxar, ficar mais mole, faz os movimentos mais um pouco e como que num jorro deixa sair tudo, em três jorros grandes e seguidos. Ela dá um leve sorriso ao sentir aquele jorro. Ele claro, instintivamente sorri um sorriso sincero e inevitável, rápido, mas inevitável.

Ele tira seu pinto de dentro dela, tira o preservativo cheio de porra por dentro e com porra dela por fora. Fora estranho, podia perceber que ela era virgem, dava para ver, e ela já havia lhe contado isto uma vez, mas não havia saído sangue. Também conhecia sua vida pessoal, e sabia que esta era a primeira vez. Não se tocaram mais depois que terminaram. Ela se enrolou no lençol da cama e ele se vestiu. Ele sentou na beirada da cama e ela ficou encolhida num canto da cama. “Acho que não deveríamos ter feito isto”, ela consentiu falando um “é” sussurrado. Ambos de cabeça baixa devido a sensação de culpa. Ela era amiga de longa data de sua namorada, ele e ela que a poucos instantes haviam trocado fluidos, se conheciam a pouco mais de um ano, e sempre se passava algo como que uma energia entre eles, uma energia que os impedia de se tocarem, faziam alguns minutos que haviam rompido com toda esta energia. “Acho que eu deveria ir embora”, e novamente ela consente com seu “é” sussurrado. Ele ficou de pé, ainda alguns instantes, voltou até ela e sentou-se próximo a ela e lhe abraçou, forte. Foi muito mais por solidariedade, pois os dois agora se sentiam mal, a sensação era tremendamente esquisita. Ficaram assim alguns minutos, ele deu um beijo no rosto dela, ela deu um beijo no rosto dele e foi embora, antes que tudo aquilo pudesse se tornar uma tortura.

Basicamente não sabia como aquilo acontecera, os dois se encontraram por acaso em um café perto do apartamento dela, conversaram, ela o convidou, ele prontamente aceitou, queriam economizar um pouco pois o café era caro, além de tudo estava cheio, e não queriam multidões. Alguém poderia dizer que ambos já sabiam o que iriam fazer, por isso evitar testemunhas? Certamente seria uma tarefa forçosa procurar quem entre os dois era o culpado, assim como seria simplista culpar os dois. Muito menos podemos culpar a namorada dele afirmando que ele cometeu o ato libidinoso pois ela não lhe dava o devido carinho. O fato certeiro nisto tudo é que nenhuma das três opções seria certeira, ambas necessitariam de um esforço para crer e uma cegueira para não enxergar outros fatos além desses três.

Apenas quando ele chegou em casa que se lembrou que sua namorada estava de viajem, fora conhecer Santiago e algumas estações de esqui no Chile. Ficaria duas semanas fora. O topor era tal desde que havia encontrado aquela que a poucas horas chamaria apenas de amiga, que havia esquecido completamente desse fato. Agora somente pensava nas duas mulheres. Comeu pouco, menos da metade do que estava acostumado. Foi cedo para a cama, não sentia vontade de mais nada, ficou deitado em sua cama, no escuro, até adormecer.

Dois dias depois do que havia acontecido ela lhe liga:

- Eu acho que nós deveríamos conversar. Esclarecer para nós dois isso que aconteceu.

- Eu estava pensando na mesma coisa, por pouco que não lhe liguei antes de você ligar para mim. Penso que tudo isto seja de uma urgência enorme para nós.

- é, podes vir aqui em minha casa, ou preferes que eu vá na sua?

- Eu vou na sua.

- Okay, estarei te esperando.

Ele vestiu uma roupa, já que estava de cueca, fazia calor. Olhou que horas eram, 15:02. comeu algo insignificante, pois não conseguia comer muito e foi para a casa dela.

Tocou o interfone, ela logo atendeu e lhe abriu. Pegou o elevador, subiu até o andar dela, caminhou tranquilamente, olhou para baixo, era alto. Tocou a campainha do apartamento dela. Dessa vez demorou um pouco mais. Ela abriu, vestia um shorts curto com uma camiseta regata um tanto quanto folgada, dava para ver que ela estava vestida como quem fica em casa. Ela lhe abre a porta, ambos sorriem discretamente, ela se vira e vai andando em frente, arrastando seus pés. Ele fecha a porta que ficou aberta atrás dele, assim que faz isso, não se sabe quem tomou esta atitude por primeiro, deram um beijo rápido na boca um do outro. Foram até a sala. Sentaram no sofá, dessa vez sem medo de se tocarem. Não conversam uma palavra desde que ele havia tocado o interfone. Ele põem sua mão por cima da coxa dela, que ficava amostra devido ao shorts curto. Dão um beijo um no outro, se abraçam, pegando carinhosamente pela nuca dela, se beijam longamente. Em seguida ele sobe por cima dela, lhe beija o pescoço, sem lhe tirar a camisa, lhe beija também o busto. Ela lhe retribui com alguns poucos beijos, pois estava entretida com os muitos beijos que recebia. Ele tira a sua camiseta e logo em seguida a regata que ela usava. Não tinha sutiã, o que ele já havia percebido quando ela abrira a porta e pode ver os bicos marcando a camisa. Beija os seios dela, eram redondos, cabiam perfeitamente na palma da mão. Em segundos estão os dois pelados trocando carícias no sofá, ele a beijava, acariciava a vagina dela com os dedos de leve, só para vela sentir cócegas, ela lhe masturbava um pouco o pau e beijava o busto dele nos momentos em que ele subia um pouco seu corpo para lhe esfregar o pênis pela barriga. Vão correndo e rindo para o quarto, ela na frente, e ela atrás, dando beliscões na sua bunda. De pronto ela se atira na cama, escondendo-se debaixo dos lençóis, o que diga-se de passagem, era pouco eficiente num lençol branco onde se refletia o sol. O vento que vinha da janela era o típico vento fresco que vêm do rio. Ele sobe pro cima dela, ela já lhe abria as pernas e puxava o seu pênis para encaixá-lo dentro dela, “vire de costas”, ele lhe pede, ela faz uma cara de felicidade e lhe pergunta “porque?”, ele nada responde, lhe beija as costas depois as duas nádegas, redondas, quase que perfeitas. Ele encaixa seu pau dentro da vagina dela e começa a fazer os movimentos de ir para frente e para trás. Logo dava para ouvir o barulho gerado pela pélvis dele batendo nas nádegas dela “plec, plec, ploc, plec, ploc, ploc”, ela sorria e ele ficava a se concentrar como podia para não gozar antes da hora. Ele sente o corpo dela ficar mole, sente ela tremer um pouco e ficar mole, alguns instantes depois ele goza. Deixa seu corpo cair por cima do dela, fica deitado por cima dela, sem tirar o pinto de lá de dentro, a camisinha cheia de esperma por dentro e coisas brancas por fora, agora lubrificada como nunca. Os dois corpos estavam só um pouco suados, o dele mais é claro, por isso ele logo saiu e foi até o banheiro livrar-se da camisinha e limpar o pau. Na volta liga dos dois ventiladores e vai se deitar com ela na cama. Desta vez ficam juntos, abraçam-se, fazem cafuné um no outro, trocam carícias, e dormem. Mais tarde acordam, pedem comida pelo telefone, abrem umas cervejas que tinham ali, pois estava muito quente para vinho, fazem um pouco de digestão vendo televisão, e voltam para a cama, transam mais uma vez, deixando ela ir por cima dele tendo o controle do sexo, e dormem. Ele dormiu lá até o outro dia.

Fizeram este ritual regularmente até a namorada dele voltar, depois apenas mais uma ou duas vezes se viram, então como que sem conversarem, param de se ver. O principal fator deve ter sido que ele conseguiu um bom emprego, o que lhe ocupava muito de seu tempo, e como gostava muito de sua namorada, preferia ficar com ela o pouco tempo que tinha. Ela também havia conseguido um bom emprego, logo depois dele. Aconteceu tudo até ali de uma forma inesperada. A namorada dele e ela já não se viam mais tanto, o que colaborou, até a encontraram uma vez na rua, conversaram alguns minutos e ficou por aquilo, ele e ela ficaram tranqüilos. Nunca mais se viram ou se falaram. O sentimento de culpa dele duraram algumas semanas, pouco mais de um mês, logo ele esqueceu tudo, fez um trabalho mental durante todo aquele tempo onde se esforçava em crer que tudo aquilo fora uma farsa, uma criação imaginativa de sua mente. Se focou tão fortemente nisto que realmente se confundia por horas, até que simplesmente deixou de acreditar naquilo e logo esquecera de tudo aquilo.

Mais de um ano depois, em plena alta estação do verão, ele e sua namorada foram a uma festa na piscina que um de seus amigos havia preparado. Estavam todos lá, todos do círculo íntimo dele estavam lá. Para a surpresa dele, ela também estava lá, de biquíni branco, o que o lembrou da calcinha que ela usava na primeira vez que transaram. Ela estava diferente desde a época em que haviam feito amor proibido. Ela era muito mais reclusa fisicamente, provavelmente não iria usar biquíni numa festa na piscina, muito menos de sentir tão livre usando tão pouco na frente de todos, ela o viu, não fez manifestação alguma de que o viu, mas olharam-se olho no olho. Ela deitou na borda da piscina, quebrando os joelhos na borda, cobrindo os pés com a água. Delicadamente ela passava a ponta do dedo, até onde fica mais o menos a unha, pela parte de baixo de seu biquíni, o levantando um pouco, dando a ele o que imaginar e a se lembrar do que havia ali embaixo daquele biquíni branco. Ela agora era muito mais desinibida do que antes, certamente havia conhecido pelo menos mais algum cara além ele. O sentimento de culpa o atacou, se sentiu confuso, forçava-se por não se lembrar o que havia acontecido. Se um ano atrás ela era que se sentia reclusa ao vê-lo, agora ele se sentia assim

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Se passava o ano de 1877

pintura de Egon Schiele

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Se passava o ano de 1877, as ruas eram de terra e o esgoto era esta mesma rua, toda torta e com casas praticamente que jogadas ao longo desta rua, como chovia quase que torrencialmente a lama se acumulava e grudava nas solas do calçado de qualquer ser que resolvesse aventurara-se fora de casa. Ele havia vindo com sua família, era imigrante, seu pai era um guarda-livros, o que dava certo status em meio a uma população onde a maioria eram lavradores. Estava na idade de 26 anos e após ter poupado algum dinheiro trabalhando na capital, queria começar seu próprio negócio, uma tipografia e livraria.

Apesar do dia não ser muito convidativo saiu de casa e foi até o casarão onde se encontrava o único secos e molhados da cidade. Numa rápida conversa num bar com o dono do estabelecimento havia combinado de o encontrar pela manhã, para discutir a respeito da estrutura. Comeu algumas bananas e partiu. O plosh plosh era constante, pois suas botas pisavam uma rua lamacenta. Pessoas na rua, apenas alguns caboclos realizando serviços braçais, e um sujeito que estava correndo por entre as casas. Chegou ao local, geralmente se tinha várias portas abertas, mas como a chuva não parava, havia apenas uma porta aberta, próxima ao caixa ainda por cima. Entrou, suas botas sujaram o chão com a lama, as bate e pergunta pelo Helmuth. Era a esposa de Helmuth que estava no caixa, “ele está lá encima” subiu as escadas, já conhecia o caminho. Helmuth estava sentado perto da janela olhando a chuva e aquela água toda escorrendo pela rua e suas valetas:

- Bom dia Helmuth – anuncia este típico comprimento sem apertarem as mãos.

- oh, bom dia, quase estava me esquecendo que você viria aqui, ainda mais com toda esta chuva – e Helmuth balançava as mãos ao redor da cabeça como se fossem moscas varejeiras.

Apesar de sua desatenção, Helmuth segurava um livro, o guarda na mesa de centro que tinha em sua sala e convida a visita para se sentar. Ele senta e Helmuth chama sua filha e lhe pede para trazer um café para os dois.

- Então Helmuth, como conversamos ontem, eu pretendo abrir uma livraria tipografia, pelo que sei o senhor faz o transporte rio abaixo até o porto.

- Isso, eu faço ele uma vez.

- Mas tu és o dono da transportadora?

- não, não, isto quem faz é a transportadora avanço. Quem cuida dela é o Jüngermann. O caro serão as máquinas.

- Isto já resolvi com Giambatista.

- Um italiano?

- Sim, o conheci durante o tempo em que estava na capital, seu pai tinha a aparelhagem toda, mas ele acabou tendo que voltar praticamente no mesmo período que eu, pois seu pai havia morrido. Assim que soube conversei a respeito do maquinário e praticamente já acertamos o preço.

- Olha, eu te aconselho verificar isto primeiro, e tu já tem o lugar onde isto tudo vai ficar?

- Sim, numa transversal da principal, próximo a padaria do Andrade. É uma casa de um polaco, ele está querendo a alugar.

- Oh, e teus livros vão vir de onde?

- Terei que importá-los, sei que há uma importadora na cidade onde fica o porto que nos leva para a capital.

- E onde eu entro nisto tudo?

- Bem, como você já importa artigos para seu armazém não precisaria enfrentar toda aquela maratona burocrática, claro que os dividendos serão divididos proporcionalmente.

- Certo, eu lhe dou o caminho burocrático para a importação e invisto um pequeno capital.

- Pode ser 7,5% em dinheiro que eu fecho 10% em troca de seu caminho facilitado para importação.

Eles apertam as mãos, e Helmuth fica o encarando sério, se curva para frente aponta o dedo e um sorriso começa a brotar em seu rosto:

- Agora não me esqueça uma coisa meu amigo, tu sabes que os melhores livros são os alemães. Traga muitos livros alemães, pois estes são os melhores. – diz Helmuth.

- Lá vêm você com isto outra vez...

Discutem um pouco a respeito do nacionalismo alemão que brotava, e ele parte até a casa que comprará do polonês. Já havia acertado tudo com o polaco, pagaria um aluguel, pois se tudo desse certo, futuramente precisaria de um espaço maior. O aluguel fora acertado naquilo que chamaram de preço justo.

Este polonês vinha de Danzig, seu pai era um comerciante polonês judeu casado com uma alemã judia. Assim que soube das novas colônias no sul das Américas e de toda a propaganda que fora feita, resolveu seguir os passos de seu pai a sua maneira. Era sobretudo uma forma de fugir da presença autoritária de seu pai. Que por sinal já lhe arquitetava um casamento com uma garota que nada lhe encantava. Juntou um pequeno capital e acabou abrindo uma pequena pensão para alojar os imigrantes que chegavam, bom negócio pois o barracão de imigrantes, que era comum nessas colônias, era também comumente desagradável o que tornava o negócio da pensão lucrativo. Somado a esta pensão ele possuía mais três construções que alugava, uma era a do boteco do Rudolf, outro os fundos da padaria do Andrade (a maior de toda região) e o terceiro era a casa onde seria instalada a livraria tipografia. Czeslaw levava uma grande vantagem pois sabia falar, ler e escrever o alemão tanto quanto o polonês. Seu problema se dava com o português que por sinal falava muitas poucas palavras.

Sabia que podia encontrar Czeslaw na pensão que era próxima ao secos e molhados. Ele ficava quase que o tempo todo na pensão, pois assim economizava não precisando pagar funcionários. Entra na pensão e cumprimenta Czeslaw em polonês:

- Czesc – é a única palavra que ele sabe falar em polonês.

- Olá Friedrich, como vai? – lhe responde Czeslaw em alemão.

- obrigado, vou bem. Vim para lhe avisar de que estou com praticamente tudo pronto para locar aquela casa.

- Oh sim, claro já havíamos conversado. Bem, eu lhe mostrei o terreno que tem atrás da casa?

- Havias me falado dele, mas não me mostrado.

- Então vamos aproveitar para ir agora.

O dono da pensão se levanta da cadeira e começa a falar em polonês, logo ouve uma voz feminina vinda dos fundos da pensão. A voz vai ficando próxima dos dois e aparece a esposa de Czeslaw, uma colona que ele conhecera no navio, ele cumprimenta o futuro locatário em alemão:

- Bom dia Friedrich, como vai?

- Apesar de toda esta chuva muito bem obrigado.

Ela lhe sorri e volta a conversar com seu marido em polonês. Tão rápido ela veio os dois se acertam e Czeslaw e Friedrich saem para a rua. A chuva ainda castigava, e agora a esta hora mais ninguém estava na rua. O local em específico ficava no que seria o centro da vila, numa transversal. Era uma casa simples, mas feita com tijolos e não de madeira como muitas das casas da vila, o que era algo de se admirar. Apesar de que, boa parte das construções na praça da vila eram de tijolos, ao menos as que ficavam na rua principal. Caminharam até a construção, Czeslaw procurou as chaves em sua roupa, e em seguida abriu a porta. Entraram, molharam assim o assoalho e sujaram o chão, pois suas botas estavam sujas de lama. A casa consistia em 4 salas com dois corredores se entrecruzando. O corredor do meio no qual se encontravam levava a porta dos fundos. Friedrich olhou as outras salas, verificou se seria espaço suficiente. Foram até a porta dos fundos e Czeslaw a abriu e olharam o terreno que havia aos fundos. Não era algo muito grande, mas era um terreno extra:

- Se você quiser cobrir isto para aumentar um pouco o tamanho eu não lhe impeço, e caso faça isto bem feito, lhe abato algo do aluguel. – Diz Czeslaw que tinha sua fama por ser um bom negociante. Friedrich e Czeslaw ficam a discutir o espaço do lugar. Nisto a chuva começa a cessar. Até tal ponto em que caem apenas alguns chuviscos, que tão logo igualmente cessam. O céu permanece nublado, as nuvens ainda contornam os morros que circulam a vila quase que como muralhas, “ainda bem, que esta chuva deu alguma trégua, tomara que não dê enchente alguma”, fala Friedrich, e Czeslaw consente com a opinião de seu colega. Voltam caminhando para pensão, no caminho param no boteco do Rudolf para tomar uma cerveja eles dois, faltavam em torno de meia hora para o almoço, e seria um ótimo aperitivo uma ou duas cervejas em boa companhia. Ruldolf trazia sua cerveja do interior da vila onde ela era produzida por um cervejeiro alemão nascido em Pilsen, e um pouco do vinho vinha de rio acima, produzido pelos italianos e a cachaça é claro, produzida por todos que possuíam moinho. O local tinha vista para o rio, de lá se podia ver o nível do rio, que havia aumentado consideravelmente nos dois dias de chuva.

Terminaram a cerveja e Friedrich acompanhou Czeslaw até a pensão. De lá foi até o porto, precisava de uma balsa para subir rio acima para buscarem o equipamento de Giambatista. Precisava também algum canoeiro disposto a subir o rio o quanto antes para levar o aviso a Giambatista. Teria que redigir a carta em português ou italiano, pois não sabia de nenhum alemão na povoação rio acima. Conversou com Joaquim, um caboclo que era canoeiro e que estava disposto, por uma certa quantia em dinheiro (não muito baixa) a subir o rio assim que um novo dia amanhecesse. Foi correndo até o clube Cultural para conversar com o guarda livros do local, Wagner. Wagner era um homem de letras que estava praticamente na metade de seus estudos em germanistica, quando seu pai se endividou devido a um problema nos negócios, e tiveram que fugir de Tübingen para esta colônia no sul das Américas. Apesar disto tinha uma alta erudição, dominava o italiano e o latim, sabia um pouco do francês (o suficiente, dizia ele) e estava começando a aprender o português. Friedrich conhecia bem Wagner, pois haviam se conhecido já no barco que os trazia para a vila subindo o rio:

- Wagner – ele chamava enquanto batia na porta, sabia que Wagner ficava constantemente ali, cuidando dos poucos livros que o centro cultural tinha – Wagner!

Ele abre a porta, Friedrich entra e se senta na sala de recepção:

- Wagner, meu amado amigo, preciso de uma ajuda sua, preciso enviar um telegrama para Giambatista. É um sujeito que conheci na capital que irá me vender o equipamento tipográfico de seu pai. Preciso lhe enviar uma carta o avisando que já está tudo pronto e que daqui a uma semana estarei subindo o rio com uma embarcação para buscar o equipamento e lhe pagar o valor já combinado. E caso ocorra algum empecilho que ele me envie um telegrama antes de’u subir o rio.

- Oh sim, isto é a respeito da sua nova empreitada, uma livraria e tipografia. Estou ansioso para termos um abastecimento constante de livros aqui em nossa vila. Pretendes montar um jornal também, eu me declaro voluntário para lhe ajudar caso queira esta empreitada.

- Talvez Wagner, eu monte um jornal, pretendo publicar poucas coisas a princípio, pois o equipamento é rudimentar também.

- Oh sim, claro, entendo perfeitamente isto.

Eles dão de ombros e Friedrich começa a ditar a carta. Primeiro Wagner escreve em alemão, depois traduz para o Italiano e com uma ajuda de Friedrich traduz para o português. Terminam a carta, “ainda precisamos conversar a respeito deste possível jornal hein!”, lhe adverte Wagner.

Ele caminha até o porto e entrega a carta a Joaquim. Joaquim falava um pouco de alemão e italiano, o suficiente para poder negociar com os colonos. Além de ter sua canoa também fazia outros serviços náuticos, por vezes como estivador, mas geralmente como marinheiro nos vapores que esporadicamente sobem o rio, consegue sempre alguma boa posição pois sabe se comunicar muito bem no alemão e no italiano, apesar de analfabeto. Numa conversa rápida, é pago metade do valor adiantado para Joaquim e lhe é dado a carta que deverá ser entregue a Giambatista, o dono do secos e molhados da povoação rio acima. Ele lhe promete levar a carta para Giambatista assim que um novo dia nascesse, pois, como ele mesmo diz, “descer é rápido e fácil, agora subir é que é duro e difícil”. O que faz todo sentido quando se leva a correnteza em consideração. A viajem certamente duraria um dia inteiro.

Resolve isto e a passos apresados vai para sua casa, precisava almoçar. Na rua principal, agora uma razoável quantidade de pessoas caminhavam pela rua, todas fazendo o singular barulho do plosh, plosh causado pelo andar de botas na rua lamacenta e sem calçadas, onde o esgoto era democrático com a rua, ou a rua era democrática com o esgoto, a questão é que ambos eram o mesmo espaço.

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Esta história pretende remontar um Brasil que falava várias línguas, imaginar um pouco do que poderia ser o cotidiano destas pessoas que ali estavam. Temos vários grupos de imigrantes europeus e os caboclos sempre a margem, e no caso da história os índios já foram massacrados e expulsos. É a grosso-modo apenas isto e mais nada: imaginar um Brasil falando várias línguas. Poderia ter optado pelos portugueses em contato com os indígenas, mas devido a conhecer mais a respeito da colonização no sul, assim fiz a história.