domingo, 25 de setembro de 2011

H, M - diálogo



Escolhi esta imagem do Escher devido ao fato de serem dois rostos distintos, de pessoas distintas, cada um matendo sua caracteristica, porém ambos estão interligados. Como este escrivi este diálogo pensando na minha namorada e algumas questões que se abatem sobre nós (edukators) e que vamos buscando lidar com elas constantemente. Imaginei que poderia ser feito um sketch a partir disso, mas nunca mais retomei este texto (nem o re li antes de postar, coisa que geralmente faço).

***

H, M. – 15.julho.2011, 11:23

Homero: Eu não quero casar.
Márcia: nem eu, não precisamos disto.
Homero: é veja meus pais, são casados e vão levando o roteiro de uma novela, a diferença é que quando acontece algum erro não dá para gravar de novo ou reescrever a fala.
Márcia: como se houvesse um roteiro para o ato de amar.
H: Isso mesmo, não tem receita, não é um bolo, nem algo de laboratório que cabe numa fórmula.
M: Igual aquelas pessoas que querem ter uma vida de novela, coisa boba.
H: Isso dá uma importância para a vida delas, nossa, querem mesmo uma vida de novela, igual a personagem daquela peça – e ele aponta para ela com a palma da mão virada para cima esperando uma afirmação, que não tarda a vir, e ela prossegue, efusiva, certeira e firme em seu argumento.
M: nem teremos filhos, nada de filhos.
H: é verdade. Sabia que eu acho meio egocêntrico ter um filho?
M: como assim?
H: Você vai lá, querendo ou não vai colocar tuas expectativas nele, vai influenciá-lo de forma absurda, aos poucos vai construindo uma pequena imagem sua na criança. Acho o cúmulo colocar o mesmo nome no bebê, terminando com Júnior, por exemplo.
M: É como se fosse existir para sempre. Uma constante renovação do mesmo.
H: mas, e se tivermos um filho, que nome colocaríamos nele?
M: como assim?
H: Ora, meus pais me deram este nome, Homero, nome horrível, não dá para fazer isso com uma criança, cometer tal crime, covardia – e levanta as mãos em indignação.
M: olha ai, já começa por ai!
H: como assim?
M: nem estou grávida e já ta querendo colocar nome. Nem apareceu e já está querendo decidir alguma coisa por ele.
H: Não, estava só pensando no nome, sabe como é, começa por ai. Já pelo nome, já começamos escolhendo como ele vai se chamar, depois a escola em que vai estudar, que roupas vai usar. Quero só ver a primeira festa de aniversário, aposto que seria do pequeno príncipe.
M: pequeno príncipe iria ser lindo, e o mais bacana é que dá para fazer tanto para menino quanto para menina.
H: bem, mas não teremos um filho. Não é vontade agora. Eu não quero pelo menos.
M: não nem eu, ainda mais que tem muita gente no planeta, não quero colocar mais alguém, obrigar a vir para cá, nos fazer companhia e satisfazer nosso ego, obrigar ele a nos amar e ele acabar nos obrigando a amá-lo.
H: pelo que me lembro os pais do Brizola ......
M: que?
H: pelo que me lembro os pais do Brizola deixaram ele escolher o nome dele. Daí ele escolheu, Leonel Brizola.
M: Uh! Sai pra lá meu comunista!
H: Não, sério, muito legal isso sabe, deixar a criança escolher o nome. Se bem que...
M: se bem que o que?
H: Quando eu era pequeno adorava o nome Frederico. Tinha até uns três ursos de pelúcia chamados Frederico, Frederico 1, Frederico 2 e Frederico 3.
M: Não seria Frederico I, II e III?
H: é seria, mas como eu era criança não sabia disso, daí era o um, dois três e não primeiro, segundo e terceiro. As vezes eu queria que meu nome fosse Frederico.
M: Imagina se fosse Friedrich, ai sim seria engraçado. Frederico, Friedrich, não são muito melhor que Homero não.
H: Pelo menos poderia me chamar de Fred, e com este nome, Homero, dá pra me chamar de que? Homer? Não né, isso é coisa do Bonner!
M: Ah isso é. Homer não impõe respeito sabe... se bem que tu até tem uma careca.
H: Ah para com isso!
M: Porque tu parou de tomar aquele remédio mesmo?
H: Porque não tava mais dando, era caro.
M: e tava te deixando assim, esquisito, não era tão legal assim né.
H: Tinha que tomar todo dia, e além do mais não quero ser um escravo da vaidade.
M: ah não, não quero que sejamos uma família burguesa, nuclear, classe-média boba, votar no Serra, ser homo fóbico, que quer colocar câmera na cidade toda e vai ver o desfile com sorriso de orelha a orelha conclamando com lágrimas nossa tradição.
H: Não, vamos ser classe média só na parte material, mas não vamos ser tão bobos. Por isso que não vamos casar nem ter filho, muito menos lhe chamar de júnior – e ele levantou o dedo para cima para lhe dar mais razão a fala.
M: Podemos ir até morar em outra cidade, já estou cansada daqui, é úmido, frio demais no inverno, insuportável no verão. Além de todo esse papo que tem aqui.
H: bem que cada cidade tem esse seu papo sabe. Isso não dá para fugir, essa coisa de associar o gentílico a personalidade das pessoas de lá.
M: Por isso vamos morar em vários lugares, nada de um lugar fixo.
H: Isso! Podemos ir para a África, você podia dar aula de francês e eu posso ser professor, ou até mesmo trabalhar como diplomata! Podemos ir primeiro para a Namíbia, lá algumas pessoas também falam o alemão, daí eu posso praticar um pouco. E depois ir para Angola ou Moçambique, não sei, quem sabe São Tomé e Príncipe, que tal?
M: hahahahahaha.
H: que foi?
M: Queres ir para a África fazer o que?
H: Morar lá, falar várias línguas, conhecer outra gente.
M: Parece mais que quer fazer igual aqueles europeus fascistas do século XIX que queriam levar a civilização e o progresso para os outros povos. Ensinar francês, como se a língua deles que eles tem lá já não é boa o suficiente. – os dois ficaram quietos um tempo, refletindo, e ela prosseguiu – além do mais eu nem sei falar francês como é que eu vou ensinar francês?
H: ah isso é, se bem que eu acho que não seria difícil aprender francês, é língua latina sabe, daí aprendemos rápido.
M: tais falando como aquele pessoal que vai viajar para fora e acha que não precisa aprender espanhol porque é uma língua parecida e tudo mais. Por favor né.
H: Yo te quiero!
M: que?
H: Viu como yo sé castellano! – sorria largo enquanto olhava para ela esticando o silêncio.
M: agora isso é fato, filho nós não precisamos ter, nem casar.
H: mas morar junto a gente pode?
M:sim, mas nada de casar, ter filho – interrompido.
H: nem votar no Serra e muito menos ser homo fóbico – interrompido.
M: e tu que não me invente de achar que o carro é uma extensão do teu pinto! – agora ela levanta o dedo para enfatizar a razão.
H: mas eu nem tenho carro, tão pouco dirijo.
Ela fica olhando para ele, sorrindo, escondendo um riso, como quem pensa alguma coisa ao longe.
H: que foi, por que essa cara?
M: achei que tu ia dizer que não tem pinto.
E ele faz cara de quem não achou graça. Ficaram se olhando, enquanto o riso dela ia embora junto com a carranca dele. Juntaram mais o corpo de um junto ao do outro, se olharam carinhosamente, ela fazia um carinho com a mão na nuca dele enquanto lhe dava um beijo. Se olham ternamente.
M: vamos comprar um vinho?
H: de rolha?
M: é um que é fechado com rolha de madeira, que faz aquele barulhinho – e ela simulava que abria uma garrafa de vinho e terminava o teatro dizendo – poc!, assim sabe?
H: Ah minha burguesinha, só tomando vinho chique é?
M: Lembra só somos classe-média na parte material.
H: mas nada de casar, só morar junto.
M: Nem ter filho, só um cachorro.
H: Um cachorro?
M: um não, pelo menos três!
H: Mas não vamos comprar nenhum né?
M: não adotar, além do mais eu gosto mais dos vira-latas.
E os dois vão caminhando abraçados comprar um vinho.