quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Uma tarde muito boa

Se nunca pus nada de Diego Rivera, ai está.
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Uma tarde muito boa

Era um dia bonito demais para ser jogado fora. Apesar de todas as coisas que tinha para fazer, coisas tantas que nem conseguia as organizar em sua cabeça, não era um daqueles dias para se ficar trabalhando, especialmente numa tarde tão bonita como aquela. Pela frente haveria um feriado grande, um bom sopro de ar fresco no espírito de toda a gente que não é pago para trabalhar nos dias que as pessoas folgam. Mas nisto tudo já conseguia ver seus professores lhe pressionando de alguma forma:

- mas creio que este não é o caminho certo – dizia o professor.

- sim, concordo, mas pelos motivos que falei anteriormente eu tive esta escolha.

- Bem, alternativas não lhe faltam, porque esta repulsa para com estas pessoas?

- é que, elas... bem, são da minha família, não quero entrevistar ninguém da minha família – e poderia concluir ainda dizendo que no momento não queria entrevistar ninguém.

Mesmo ambos reclamando de muitas coisas e chegando a pontos em comum, pouco poderiam fazer a não ser trabalhar. Mas trabalhar até mesmo num dia bonito como este? Sem falar que nos dias reservados para folga, é difícil fazer um dia tão bonito.

Devido a inúmeras condições, decidiu-se por fim a aproveitar aquela tarde. Pegou uma cadeira e se sentou embaixo de uma árvore no seu quintal, ficou olhando a terra, os musgos colados no tronco. Lembrou do romantismo, Manuel de Barros e de Moçambique, terra de Mia Couto. Havia estudado tantas línguas para descobrir que era apaixonado pelo português, em todos os seus formatos. Olhou mais uma vez, ouvindo o canto dos pássaros, mas não conseguia se acalmar por mais do que dois ou três minutos. Ficava pensando em todas as cosias que tinha que fazer, no seu futuro incerto. Queria ir embora, mas nem sempre a melhor estratégia é fugir. O choro queria brotar de seu peito, mas seus olhos secos não deixavam ele sair. Toda noite queria chorar, pelo desespero que sentia. Seus professores lhe advertindo de quão frágil estavam seus últimos textos, ele reconhecia que não estava lendo os textos pedidos para as aulas, sua professora de Italiano vinha lhe advertindo a respeito de sua decadência, seu dinheiro já tinha acabado e por isso precisava pedir grana para seus pais, sua namorada estava pagando suas cervejas e ainda não conseguira chegar onde ele queria. Isto lhe deixava a ponto de chorar.

Além disto tudo, de todos olhares estranhos por não querer casar, nem ter filhos e tão pouco aprender a dirigir, ficavam sem reação ao ouvir sua resposta para a pergunta: “e o que você quer fazer depois de sua faculdade de sociologia? Ser professor?”, ele ficava pensativo, pois não sabia ao certo o que faria depois da faculdade e estas ajudas financeiras da família deixariam de existir, respondeu confiante ao ponto de ele mesmo se convencer: “Quero ser escritor”. O que afinal de contas faz um escritor? Para começo de conversa, eles não são gênios? Então porque você quer ser escritor seu burro? Vais tão mal no Russo, não faz nada o dia todo – logo escrever é uma desculpa para vagabundear – e ainda por cima escreve mal – e isso não dá para negar. Sua sorte era de que ninguém respondia, ficava apenas num silêncio adornada com caretas. Isto era terrível.

Independente do que qualquer pessoa falasse, do que vale tanta cosia, se um dia tão bonito como este, não podia ser aproveitado. Nem umas poucas horas, sentado embaixo da árvore, esperando Morfeu te cobrir ou que o ser mitológico saxão despeje areia em seus olhos. Nessas horas em que conseguia isto tudo, o aperto em seu peito era pelo medo de se tornar alguém que fica todo o dia acordado, e nada acontece, apenas espera sua morte. É a mesma coisa que ir trabalhar e esperar o final de semana, para beber cerveja e ver televisão.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Olá (conto curto)

Não sei quando foi a última vez que coloquei alguma gravura clichê (Van Gogh, Andy Warhol...). De qualquer forma ai está uma de Roy Lichtenstein.
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Se encontraram, ele disse:

- oi, quanto tempo, nunca mais nos falamos!

Ela rápida respondeu:

- você nunca mais me procurou.

O que era verdade, e o deixou em um gelo completo. É que ele fazia isso para saber se as pessoas gostavam dele ou não, pois algumas vezes quando ele procurava as pessoas nem sempre dava certo, por isso no geral deixava elas o procurarem. Independente de suas crenças e métodos, não dava para explicar assim, depois de tanto tempo:

- Você está indo para aonde? – perguntou ele com um sorriso grande em seus lábios.

- Vou para casa, acabei de sair do trabalho – ela lhe devolvia desinteressada e sem vontade alguma na fala, para piorar olhava para todo lado que evitasse o rosto do sujeito que se punha de pé frente a ela na calçada da principal rua da cidade.

Seu sorriso continuava ali, mais para disfarçar o embaraço do que para demonstrar alegria em lhe encontrar. Uma vez... na verdade duas ou três eles saíram juntos, se encontraram em um teatro com outros amigos ou no cinema sempre algo assim. Saíram juntos, mas não sozinhos, sempre com alguns amigos. Fora bom conversar entre eles, mas nada demais, apenas era bom conversar.

- Então até logo!

Ambos se curvaram frente ao outro para beijar as bochechas de cada um em gesto de despedida. No ouvido dele conseguiu ouvir um desinteressado; “Até”. Nada mais se passava entre eles, até mesmo o cumprimento já era difícil. Foi então que ele se lembrou de que esta fora a primeira vez que se tocavam em algum lugar que não fossem as mãos, e a primeira vez que ele deixava de lado sua inconsciente frieza e lhe dava um beijo no rosto, gesto tão comum que o espanto era nunca ter feito isto até então.

Cada um seguiu o seu caminho, depois de alguns passos ele olhou para traz e viu ela sumindo na multidão e se percebeu de sua pequenez e da proporção de seus atos.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Há um site de algum arquivo dos estados unidos com um monte de fotos. As vezes minha diversão é procurar arquivos de cidades grandes e fuçar até achar a parte das fotos e ficar olhando elas. Esta é uma da seção da guerra-civil dos EUA.
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Licenciado

Havia acabado de me formar, como prêmio ganhara uma viagem até Montevidéu, uma semana. Quando voltara meu pai disse:

- Sei de um emprego muito bom para você, não precisa de faculdade e recebe bem, o sujeito era um antigo amigo meu, nós conversamos e ele disse que você deveria conversar com ele.

Esperei dois dias, ouvindo todos os dois dias de que eu deveria ir conversar com o amigo de meu pai. Acordei cedo, pus uma roupa apresentável, calça e uma camiseta pólo, graças a Deus ganhei uma carona até perto do lugar, pois fazia um calor desgraçado. Era uma firma de seguros, entrei na recepção e a secretária olhou para mim e perguntou, “Posso lhe ajudar?”, fui até ela e expliquei que tinha uma hora marcada com Hernandez e que era para avisar que eu era filho do Matias. Ela usava um daqueles microfones-fones de telefonista, igual aquele que aparece na tevê, ela conversa com o Hernandez, cita que eu era filho do Matias e me pede para esperar um pouquinho. Vou até as poltronas e me sento. Havia uma mesa de centro, cheia de revistas, metade era de celebridades e outra metade eram revistas jornalísticas sensacionalistas do ano passado, no meio disso tudo um panfleto do governo a respeito da tuberculose. Você sabia que ela pode ser o mal do século?

Após uns cinco minutos três homens usando calça jeans e camiseta de bancário por dentro da calça saem pela porta maior, um deles se colocava mais adentro e os outros dois mais para fora. O sujeito mais para dentro que eu imaginava ser o Hernandez cumprimenta os dois, “vamos ver isto tudo certinho, que eu te ligo na próxima quarta-feira para fechar o negócio”, os dois sorriram, apertaram as mãos mais uma vez e foram embora. Então o cara que ainda estava na porta diz “pode entrar” e vai para dentro da sala. A secretária me manda entrar sem olhar para mim. Fecho a porta delicadamente, ele faz um sinal para que eu me sente e começa a falar:

- Então tu é o filho do Matias.

- Isso mesmo – respondi.

- Tu não lembra de mim, não tem nem como, mas eu te segurei no colo sabia?

Não sabia o que dizer, então levanto as sobrancelhas para não demonstrar indiferença.

- Não sei se o teu pai falou, mas nós estudamos juntos, só que ele foi para a engenharia e eu resolvi abrir esta seguradora. Ele andou falando comigo que você tinha acabado de terminar sua faculdade de história mas não queres ser professor não é isto?

- É, gosto bastante de história, mas dar aula não é algo que me interessa tanto, queria mesmo era trabalhar com museu ou algum...

Ele me interrompe não me deixando terminar de falar:

- Hoje em dia dar aula não é fácil, essa piazada tá fogo sabe, minha esposa dá aula de vez em quando, ela me conta cada coisa destas pestes, a maioria dá pra ver desde cedo, vai virar tudo marginal.

Estava me preparando para falar algo, quem sabe sobre Paulo Freire, Piaget quem sabe até alguma coisa do Bakunin, citar alguma parte do Vigiar e Punir, mas ele dá um resmungo, olha para o relógio e logo fala:

- Então senhor... como é mesmo o teu nome?

- Henrique.

- Então Sr. Henrique, eu conversei com o teu pai, e tenho uma vaga para corretor de seguro, é um trabalho um pouco puxado, mas menos que o de um professor, uma vez por mês você vai precisar fazer hora extra pois é o mais novo na firma, 8 horas como todo mundo, não vai precisar trabalhar sábado nem domingos e feriados, mas não emendamos feriados. Agora, vou te contar um segredo que deve ficar entre nós dois, como seu pai é meu amigo de longa data, nós conversamos e eu vou te pagar mais que o inicial do resto do pessoal aqui, mas – e olhou para mim bem sério e apontando o dedo – isso você não deve contar para ninguém.

- Sim senhor, eu compreendo perfeitamente.

- Então estamos acertados? – ele estende a mão direita para nos cumprimentarmos.

- Sim senhor – e dou um temeroso aperto de mão, além de me assustar o trabalho numa corretora, Hernandez era um sujeito maior do que eu.

Ele me levou até a porta, “Kátia, podes levar ele pra Janice?” e fechou a porta atrás de mim. A secretária tirou o fone acoplado com microfone veio até mim e fez sinal para eu a seguir. Caminhamos e ela foi mostrando a firma, passamos por um cubículo com pia, fogão e geladeira, “aqui é a nossa cozinha”, andamos mais um pouco, passamos pelo almoxarifado, ela não disse nada, passamos por um biombo enorme, quando chegamos numa porta ela disse, “aqui ficam os corretores e todo o pessoal da parte burocrática”, queria saber o que era toda essa parte burocrática, mas resolvi não perguntar nada, andamos mais um pouco e passamos por uma sala cheia de gente falando e menor do que a outra, “esse é o pessoal do telemarketing”. Caminhamos mais um pouco, Kátia que era a secretária que me atendera antes usava uma calça social justa que marcava sua calcinha o que me fazia olhar para a bunda dela balançando conforme ela andava, o barulho dos saltos se encaixava perfeitamente com os movimentos das nádegas. Subimos as escadas e chegamos numa porta onde estava escrito “RH” numa folha impressa colada na porta, ela bate na porta e abre, o ar-condicionado estava ligado:

- Hum, está fresquinho aqui Janice.

Uma mulher que era uma versão mais gorda e velha de Kátia fecha algo no computador, dá um sorriso, se levanta e responde:

- Estava tão quente que eu resolvi ligar, não dava mais para agüentar!

- É eu sei, o meu lá embaixo está estragado.

- Então quem é este moço – pergunta Janice enquanto colocava sua mão em meu ombro.

- Este é o Henrique, filho de um antigo amigo do Hernandez que vai começar a trabalhar aqui – ela olha para mim com aquela cara que as pedagogas são ensinadas a fazer quando olham uma criança - tu vai ser corretor porque não queres ser professor não é isso? – disse Kátia colocando a mão sob o meu ombro que ainda estava livre.

- Mais o menos, pretendo fazer um mestrado ainda, trabalhar com pesquisa, ou numa editora, algo assim. – tentei explicar para elas como fazia com todas as pessoas.

- Minha irmã é professora há quinze anos, ela me conta cada coisa, são uns animais esses alunos, tem até história de aluno batendo em professor, vê se pode. Na minha época não podia nem responder para o professor que já era motivo para castigo. – Janice estufa o peito e apontando seu dedo para cima criando uma aura de quem está com a razão completa – sabia que eu já apanhei com régua na sala de aula?

Pensei em falar algo a respeito da história da educação e de como isto mudou e porque mudou, talvez algo de Darcy Ribeiro ou um pouco de escola nova, mas apenas arregalei meus olhos demonstrando surpresa.

- Essa molecada não tem mais respeito sabe? Isso pra mim é falta de surra, essas pedagogas ficam falando que não é bem assim, é assim sim! Vê se com a nossa geração não deu certo Janice?

- É mesmo Kátia, meus filhos eu sempre levei ali – e ela fechou a mão fazendo mímica como se estivesse segurando as alças que seguram os burros de uma carroça – ali ó – refutou ela. Mas então – continuou – precisamos resolver a tua situação não é mesmo?

- É, acho que sim – respondi sem saber o que dizer e cansado de levantar as sobrancelhas ou arregalar os olhos.

- Tchau Janice eu tenho que voltar para a recepção, a Patrícia ta de atestado e eu estou sozinha lá, já devo ter perdido umas cinco ligações.

- A gente se fala no almoço – respondeu Janice enquanto ela ia embora.

Janice voltou até sua cadeira de frente para o computador, abriu uma gaveta e tirou um pacote de biscoitinhos da feira, pegou um, deu uma beliscada e me ofereceu, “queres um meu bem?”, “não obrigado, não sinto muita fome de manhã” e ela ficou um pouco menos animada e pareceu se sentir um pouco ofendida:

- Nome completo?

- Henrique Battisti Barros.

- Battis...?

- Bê, Ah, Tê, Tê, Ih, Ésse, Tê, e Ih.

- Battistei?

- Não, desculpa, sem o Ê antes do último Ih.

Ela digita no computador, “ai faz sete anos que mexo nisso e ainda não me adaptei, sou do tempo da maquina de escrever”, e pronto ela digita a última tecla com mais força que havia digitado as outras.

- CPF e RG?

Eu pego minha carteira no bolso e lhe dito os números de cada documento.

- Data de Nascimento?

- 05 de Abril de 1991.

- Teu cargo vai ser como corretor de seguros não é isso?

- Aham, corretor de seguros.

Ela digita durante algum tempo sem falar nada, manda imprimir uma folha a pega e me entrega. Pego ela e Janice aponta meu nome com a ponta da unha do dedo mindinho:

- Com este papel tu já comprova que está trabalhando aqui, nós geralmente damos dois dias para pessoa antes de começar, mas as vezes pode ser mais tempo ou menos, se tu tiver algum diploma de curso ou algo assim, é sempre bom trazer para termos tudo certinho aqui nos arquivos. – E ela termina a frase apoiando os cotovelos sobre a sua mesa e sorrindo para mim.

- Vocês vão me ligar certo? – pergunto.

- Isto, pode deixar que nós vamos te ligar.

Dou um sorriso de volta, digo tchau e volto para casa.

Em casa minha mãe pergunta como foi, respondo que havia conseguido o emprego, então minha mãe conta uma fofoca sobre meu pai e Hernandez, “Eles viviam bebendo quando conheci teu pai” disse ela com um sorriso no canto do rosto enquanto começava a preparar o almoço, “quem diria que agora ele teria esta seguradora, hein? Teu pai sempre foi mais parado, passou no concurso dele para prefeitura e ali ficou” concluiu minha mãe imaginando que meu pai poderia ser um homem com um pouco mais de dinheiro.

*

Quando me ligaram eu estava sentado no quintal observando um sábia andando por entre a grama. Atendi o telefone:

- Oi Henrique aqui é a Janice, lembra de mim?

- Lembro ,da Seguradora – respondi com certa dúvida.

- Então você tem como começar nesta segunda-feira?

- Sim, claro que posso.

- Okay então, estaremos lhe aguardando, o escritório abre as 8Hrs, mas você precisa chegar uns 10 minutinhos antes para eu lhe entregar algumas coisas.

- Tudo certo, até segunda.

- Até, tchau.

Desliguei o telefone, olhei de volta para o quintal e percebi que o sábia não estava mais lá.

*

Meu trabalho como corretor de seguros pode ser resumido da seguinte forma, eu precisava convencer as pessoas de algo que eu não acreditava, estava fazendo algo onde eu me via como hipócrita, pois fazia algo que repugnava. Concordo que meu salário não era dos piores, tão pouco era muita coisa, mas bom para mim que ainda estava morando com meus pais. Dois meses enfiado naquele escritório já estavam me deixando um pouco perturbado, cogitei a ida a um psicólogo ou psiquiatra, mas ao pensar sobre o assunto acabei desistindo, simplesmente pelo fato de que não gostaria de ouvir alguém me dizer qual o meu problema e o que eu devo fazer para resolver o problema criado por mim, fazendo um jogo sacana, onde a minha negação do problema exposto pelo psicólogo só prova o quanto ele está certo. Além do mais o máximo que eles fariam comigo seria aceitar as coisas como elas são, no caso concordar com meu emprego e continuar a fazer algo que está me fazendo mal, crendo que aquilo vai me fazer bem. Porém uma manobra do acaso me coube bem, Roberto um amigo meu que se formara em direito pouco antes d’eu me licenciar trabalhava num escritório de advocacia e sentia-se incomodado com seu emprego, da mesma forma que eu me sentia por isso almoçávamos uma vez pro semana, para conversar, desabafar um pouco. Encontrei ele na praça que ficava na bifurcação da rua onde ficava o meu escritório e o dele, a praça tinha como homenagem o nome de Emílio Garrastazu Médici, um dos generais que receberam o título de presidente nos tempos da ditadura. Nunca vi uma praça com o nome de alguém morto pela ditadura...

Roberto já me esperava, estava de terno, “é a fantasia dos advogados” dizia ele. Fomos procurando lugares para comer no centro, conhecíamos um lugar que era 6,00$ o almoço com direito a um suco amarelo e sobremesa, mas este lugar possuía pouca variedade de comida sem carne. Fomos num Buffet a quilo:

- Sabe uma dúvida que eu sempre tive, o que faz um desembargador? – e enfiei a comida na boca, aguardando a resposta enquanto mastigava a comida.

- Nada – me respondeu Roberto de boca cheia.

- Visse que foi proibido ambulantes e carrocinhas de comida na rua XV?

- Sim eu vi Henrique, fizeram isto sob a justificativa de deixar a cidade mais bonita para aumentar o turismo, fiquei sabendo por um e-mail hoje de manhã.

- É eu também, foi um e-mail da Júlia?

Roberto faz que sim com a cabeça enquanto colocava macarrão na boca.

Ficamos um tempo quietos e soltei:

- Acho que vou largar meu emprego.

- É mesmo, porque?

- Não estou gostando nada dele, tenho que ficar empurrando seguro para as pessoas, fingir que estão fazendo um bom negócio, quando um pouco de probabilidade mostra que não. Como diz o meu pai, se você colocar o dinheiro do seguro numa conta, você faz o seu próprio seguro, pois dificilmente você vai bater feio o carro, por exemplo, e a corretora faz o máximo possível para não pagar o seguro, não sei, me sinto como alguém que ajuda a assaltar as pessoas.

- Já imaginava isto, corretor de seguros não é a sua cara, acho que você um bom professor, depois tu poderia procurar um outro emprego que não seja dar aula, de qualquer forma corretor de seguros é algo que nunca imaginei que você faria – ele põem mais um pouco de comida na boca, e continua – agora essa sensação de explorar as pessoas eu também sinto sabe, mas não exclusivamente pelas que nós atendemos, especialmente porque eu nem vejo o rosto dessas pessoas, mas por sustentar esta máquina que é o sistema judiciário, essa falácia. Olha só para nós advogados, usamos sempre terno pois sabemos que as pessoas tratam melhor quem usa terno, não porque gostamos de usar terno e para piorar somos obrigados a usar “roupas apresentáveis” em tribunais por exemplo – mastigou a comida, bebeu um gole d’água e concluiu – aliás não realizamos discussões jurídicas apenas somos técnicos jurídicos que aplicam leis, em especial os juízes, praticamente seguimos um manual – e Roberto conclui.

Comemos e fomos até a loja de instrumentos, olhamos a vitrine, comentamos sobre a qualidade de algumas marcas e instrumentos, citamos bandas nos comentários e fomos embora, uma hora de almoço não dava para muita coisa.

*

O emprego de corretor logo me cansara, antes do esperado, estava a procurar concursos para dar aulas, havia me rendido a idéia de dar aulas, mas pensava nas aulas como algo necessário a minha profissão, algo que seria como um pé para sustentar melhor minha profissão na área em que eu me formei. Já estava planejando tudo, daria aula e já iria me programar para mais tarde ingressar num mestrado e continuar meus estudos. Neste meio tempo fui relaxando no trabalho a tal ponto que Hernandez havia pedido para conversar comigo. Ele havia pedido para almoçar comigo mas, graças ao acaso ele acabou deixando para depois do almoço. Entrei na sala de Hernandez juntos, havíamos nos encontrado próximo ao escritório, então fomos caminhando juntos:

- Precisava conversar com você Henrique, pois andei recebendo reclamações de que você não vem cumprindo suas metas.

- Sim, o Almeida já havia me chamado atenção uma semana atrás, vou procurar evitar isto novamente – respondi num tom robótico e me comecei a me levantar para ir embora, mas Hernandez apoiou sua mão sobre o meu ombro e continuou:

- Entenda que pedi para falar com você pessoalmente devido a amizade existente entre eu e seu pai, não quero que me veja únicamente como patrão, pois estou aqui para lhe ajudar também, entendo que você tem sua paixão e fez sua faculdade, quando tu necessitou de uma ajuda para conseguir um emprego mais sério, estive aqui e lhe favoreci devido a proximidade entre eu e seu pai que acaba nos dando certo vinculo – concluiu Hernandez dando um aperto em meu ombro.

- Sim Sr. Hernandez, sito eu compreendo perfeitamente e pode ter certeza de que não pretendo deixar de retribuir...

- Sei que – interrompeu Hernandez – nesta idade nos pensamos várias coisas, as incertezas e certezas que temos, eu também tive as minhas e já fui jovem, mas não esqueça que esta passagem para a vida adulta pode ser dura, chata e contrária ao que havíamos planejado, mas é algo necessário do qual não temos como escapar – Hernandez arregalou os olhos fazendo um gesto de compreensão – precisando conversar não esqueça que eu estou aqui – encerrou Hernandez conduzindo Henrique até a porta, ele saiu e foi andando até sua escrivaninha.

“Precisando alguém para conversar” como se ele desse bola mesmo, faz isto que faz apenas por convenção social, bancar o bacana e paternal, mas isto não me agrada. Estava decidido a largar o emprego na corretora antes mesmo até de conseguir outro emprego.