sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Estética da vida (?)







Algumas preocupações minhas são constantes. Desde que tomei um contato mínimo sobre o que seria a biopolítica, comecei a me interessar pela palavra vida. Dei um novo significado para além do papo usual de autoajuda. Também é válido colocar que é um celebrar da vida diferente do que há estampado muitas vezes em propagandas de casas noturnas, onde palavras como vida e liberdade são usadas. Durante um tempo o grande motor da semana era toda preparação e expectativa para as festas. Logo elas começaram a se esvaziar, deixaram de ser o grande lugar de experiência estética.
Olhar a grama do quintal crescer cansa depois de um tempo. As metas do trabalho logo se mostram repetitivas e mais cansativas que a grama do quintal crescendo. Assim sendo, cair na típica reflexão do “sentido da vida”, é um dos lugares comuns que nós modernos temos. Todo um existencialismo1 e reflexão parecem importantes, filmes onde a morte é a temática chave, o Nietzsche que você pode comprar em qualquer banquinha, Albert Camus, pós-punk, jazz e músicas de Bach ajudam a superar momentos de crise. E a crise leva a transformação.
Ao pensarmos no sentido da vida, normalmente elencamos as coisas mais banais possíveis: café, beber, sexo, comer, ler e tantas coisas quanto nossa procrastinação permitir. Entretanto não é o café que dá sabor a minha vida, mesmo mexendo com meu estômago e corpo, muitas vezes ele é cansativo, dá dor de cabeça e mal estar. E todas estas coisas ditas acima podem cair no mesmo círculo vicioso que o café (ou chimarrão) me proporcionam. Logo se descobre que não são coisas que dão o sabor desejado, mas as experiências, as sensações. Poder experienciar o corpo, sentir que ele está vivo. Isso acaba sendo o que importa, não são o sexo, o café ou ver a grama crescer, mas se estes elementos me levam a experienciar e aproveitar sensações, então sim, utilizarei eles.
O que ocorre é que nossa crise gira em torno da vida, desejamos viver. Com o desenvolvimento da medicina resolvemos uma série de problemas biológicos. Após a segunda guerra o mundo alcançou uma grande paz, apesar de muita coisa ainda rolar por aí, a ameaça das hordas famintas que eram uma constante durante a Idade Média ou dos bombardeios terríveis que atingiram boa parte da Europa, já não existem mais. São poucas situações em que nossa vida é posta a prova, apesar de ainda existir riscos. Imagino que durante tais períodos medievais era necessário afirmar sua vida constantemente, já que o risco de morrer (peste, guerra, hordas, brigas...) era muito mais intenso. A violência estava ali como uma prova de sua vontade por viver. Perguntar sobre o sentido de sua vida quando ela está sob constante provação é no mínimo cômico. E aqui é bom advertir dos riscos pela saudade do passado, pelo esforço de retornar a tempos supostamente mais áureos.
Dai uma repetição e insistência minha em analisar nossa maneira de viver, e provocações por uma estética2 da vida (ou da existência). Por isso um desejo por re-cidade, mas não refazê-la, muito mais dominá-la com vida feito o capim crescendo nas frestas da estrutura, nos espaços livres entre os blocos do paralelepípedo. Fazer dos lugares em que vivemos algo mais do que aço e concreto. Talvez algo demasiado egoísta, por não prezar muito mais do que o prazer sensorial de minha pele arrepiada e meu estômago nervoso, mas em grande medida a opressão sobre mim não é o prato de comida que me falta na mesa, mas sim uma falta de sabor no viver. Meu corpo ninguém me tira, por mais que usem e marquem esta carne, ainda não podem me privar do corpo, por isso eu uso, abuso e experiencio o quanto for possível. É o grito que não posso dar enquanto sento no escritório.
Talvez isso ajude a pensar e entender a afirmação de que meu corpo é meu templo, e talvez apagar uma série de moralismos muito mais ligados a nossa história recente que qualquer outra coisa. Também acredito que ajuda a entender que queremos e precisamos de algo mais do que: casa, comida, aquecimento, água... Apaixonar-se, ter amigos, ir em festas e a arte estão ai indicando que nos importa mais do que não passar fome. E esta coisa é invisível, e o elo mais próximo acaba sendo a pele. E é ali que eu me arrepio, é nesta superfície que posso encontrar o mais profundo.
 
1Coloco isto na expectativa de buscar um sentido mais coloquial do termo, podendo ser possível traduzir como um perguntar-se de sua existẽncia.
2Estética aqui é algo mais do que a usual “beleza”, mas está intimamente ligado ao belo, que é mais do que imagem.