quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Nada


          Se esforçava e nada. Tentava pensar em milhares de coisas, mas nada. Lhe disseram certa vez que o nada era edificante, pois traz a necessidade de gerar algo. Mas neste caso o que era gerado era um grande nada. O céu nublado, a temperatura amena e sua completa falta de noção do tempo. Sem saber porque, deixando manifestar sua vontade por mexer-se, ele saiu de casa, ouvindo sua música nos fones, parecendo que ele estava numa cápsula. Caminhou até o ponto de ônibus, que logo veio. O percurso de sua casa até o ponto era algo grotesco. Vivia numa clara região de classe-média, boa parte das casas possuíam piscina, todos seus vizinhos sabiam dirigir e tinham carro, graduados na universidade da região. Em questão de cinco minutos estava num loteamento irregular, casas sem reboco, ruas de terra, mais motos do que carros nas garagens, sempre havia um número considerável de crianças, e pelo que já havia percebido, alguns poucos galgavam degraus no ensino superior e isto era novidade. Sabia que aquele moleque que sempre estava em algum lado do ponto de ônibus vendia drogas, mas não esquecia que a maior parte da população dali era trabalhador. Segurança, lojista, linha de produção, motorista, cobrador de ônibus...

           O bonde passava pela via expressa. Não havia muita coisa ali, algo do gênero: “fui passear na via expressa, mas lá não havia nada para ver”. Apenas carros, casas ao fundo, e agora surgiam galpões enormes para comportar supermercados, shoppings e essas coisas, o que iria cobrir ainda mais as casinhas e a floresta que se via ao fundo. Não simpatizava muito com isso, mas admitia que era rápido, logo estava no centro da cidade. Pela energia e movimentação das pessoas dava para saber que era dia de semana. Preferia observar pessoas em dias de semana, parecia mais sincero. Desceu próximo a uma travessa (uma ruela). Alguns prédios antigos haviam sobrevivido, o que era muito bonito, dava um ar bacana pra cidade. Às vezes olhava dentro desses prédios e podia ver a escada de madeira, hoje isso não existe mais, não as escadas, mas a madeira.

           Sempre desviava das pessoas. Sempre há aquelas pessoas petulantes que não desviam. Quando avistava uma dessas, tentava não desviar, elas teriam que, pelo menos naquele momento, exercer um pouco de modéstia e desviar, e ao final, no último instante, ele sempre desviava não havia como. O curioso da rua são seus personagens de sempre: “oh tio, me vê uma moeda pra comprar um pastel”, “Ooooolha a trimania, trimania, trimania”. Dentre estes havia um sujeito que parecia ter parado na década de 1970. Pouco importava o clima, ele quase sempre estava de calça de veludo boca de sino, uma lã amarela manga de gola alta, corrente de ouro (provavelmente imitação) no pescoço, cabelo delicadamente penteado para traz, deixando aparecer suas costeletas e o detalhe mais importante, o cigarro que ia fumando conforme caminhava mexendo as pernas feito tesouras, ritmando o barulho de seu sapato batendo na calçada. 

           Curioso que num dado momento em que uma música do pink floyd começava em seus fones (pensou primeiro que havia acabado a bateria, mas verificou no visor, estava tudo bem, era só uma música do pink floyd começando), escutou o bater de louças que vinha do café. Haviam poucos cafés no centro, e a maioria era ruim. Como aquele não era, decidiu entrar e beber uma única xícara de café. Prostrou-se na entrada, parou e checou as moedas que tilintavam no bolso junto com elas havia uma nota, puxou, era de cinco reais. Ficou tranquilo, pois possuía dinheiro suficiente para o café. O pediu e esperou sentado perto da janela. Desligou a música e pescou os fragmentos que podia. O que mais escutava eram migalhas de conversas, gente apressada falando no celular, mulheres conversando, apenas uma ou duas frases, por vezes até fragmentos de frases. A louça tilintava no café, a água quente parecia querer esquentar todo o ambiente. Admirava-se de que as pessoas não tinham o carinho de olhar ao seu redor. “Quantas coisas elas perdem, e quantas eu perco?”, pensou ele. De súbito o tempo voltou a sua consciência, sabia que dia era, até as horas se tornavam claras. Ainda era pela manhã e lembrava que acordou devido a um caminhão que veio fazer entrega na casa de seu vizinho, e isso atiçou os cachorros que latiram e ele acordou. Não entendia porque estava no centro, tão longo caminho desde sua casa, especialmente de ônibus. Bem ali estava, sentado num café, flanando com saudades de tempos passados, o que era péssimo. E o nada que tanto lhe possuía, parecia ter edificado pouca coisa em sua vida, mas isso são coisas que se percebe depois de muito tempo. 

sábado, 20 de outubro de 2012

contradição, hibridismo e outras coisas breves



O ser humano é híbrido. Não há em um primeiro momento nenhuma novidade nisto. Este hibridismo faz com que o sujeito moderno seja também contraditório, a contradição é uma constante, quase um direito nosso. O sujeito puro é uma busca sem fim, um mito. A impureza – mescla – talvez seja o elemento mais original da humanidade.

Neste sentido se faz necessário olhar para a constituição das cidades – moradas, Heimat – como fruto do homem, e assim sendo tal organicidade como algo que não deve ser combatido, riscado pela régua urbanística de herança cartesiana. A geometria da natureza é diferente da de Mondrian, os riscos se cruzam na mais perfeita desordem. Por vezes o homem acaba caindo na piada do personagem que cheira cocaína no mato e começa a organizar as folhas caídas no chão as separando por cores.

Dai que há uma forma muito mais plural, e possível de relacionar-se, muito mais rizomática. Se espalhando, conectando os pontos separados. Precisamos tanto do caos quanto da ordem, produzimos e consumimos ambos. Somos fruto desta contradição, nós sujeitos modernos.