domingo, 15 de dezembro de 2013

História de verão: 1

      

A consciência lhe atacou, “já faz praticamente um ano”, os aniversários afinal, servem para que lembremos. Agora todo aquele passado parecia irreal. Não foi profundo o que ele tivera com ela, mas ele gostou do pouco que aconteceu, foi divertido, foi bom. O frio na barriga é algo que faz a gente continuar vivo. O engraçado é que os dois nunca chegaram se quer a começar algo, não deu tempo, não deu certo, por mais que tudo parecesse indicar para isso. Depois, por milhares de coisas miúdas – e outras nem tanto – qualquer possibilidade de se beijarem de novo se esvaiu, evaporou. Acabou. E como sempre, sem perceber nunca mais se viram, eles que se viam tanto, rocando mensagens, ou conversando no telefone, mesmo com ele odiando conversas no telefone.
Depois de todo este tempo comentou com seu amigo enquanto se perdiam num bar da cidade: “queria falar com ela”, seu amigo pergunta de forma espantada:
  • porquê?
  • Ora, e eu sei lá, queria conversar.
  • Mas sobre o que?
  • Não sei, pedir desculpas.
  • Mas tu fez alguma coisa de errado?
  • Não, nada, e nem ela pra mim.
  • Então porque pedir desculpas?
  • É que eu me sinto um idiota, acho que por isso.
  • Não, o que tu queria era uma desculpa para conversar com ela.
  • É, vai ver é isso mesmo. Sabe que pensando agora o que mais sinto saudade era disso, conversar com ela. Não que fossem horríveis nossos beijos, mas não sinto falta deles.
Certo dia enquanto passava na frente da casa dela pensou em apertar o interfone para ver se ela estava em casa, ponderou o quão bizarro isto seria, o que ele faria? Por fim imaginou que ela poderia entender que ele estava apaixonado por ela, que a amava loucamente, e não queria causar uma impressão errada, como não lembrava o número, seguiu seu caminho em linha reta.
Meses depois a viu na rodiviária, estava cheio pois já era fim de ano, bem entre o natal e o ano novo, um alvoroço tudo aquilo. Seus olhos a haviam visto, mas ela parecia entretida com seus pés balançando no banco. Seu coração disparou, parecia atingido por algo que lhe gelava a coluna. Por fim abaixou a cabeça e fingindo não a ter visto passou próximo a ela. A garota nem o chamou, e ele não sabia se ela fazia o mesmo ou simplesmente não o havia visto. Nunca mais pensou nela.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Do socialismo: hoje

 
Foto de guerrilheiro partisan
Qual o sentido de ser socialista hoje em dia? Como disse Saramago certa vez, “sou socialista de espírito”, e ele prosseguiu afirmando que provavelmente nunca fez tanto sentido ser socialista quanto nos tempos atuais. Ser socialista não significa necessariamente integrar nenhum partido, nem é obrigatório apoiar algum regime. Ser socialista está muito mais ligado a sua inconformação com a pobreza no mundo, mesmo que o mundo tenha deixado faz muito tempo de ser um lugar pobre. Ainda existem pessoas passando fome, e não é pela falta de comida, é pelo não acesso a comida. Muitas vezes por motivos que elas não tem poder de interferir. O Brasil está entre os dez países mais ricos do mundo, e isso não é de hoje apesar de todo o alarde do sexto maior PIB mundial, continuamos morando em favelas, pegando ônibus lotado, enfrentando engarrafamentos, tendo uma dificuldade enorme para coisas simples como usar hospitais, pegar um livro na biblioteca pública, pesquisar no arquivo histórico, passear no parque, tomar um café num Café (igual Paris ou Buenos Aires), ler um livro neste Café ou parque e, o mais preocupante, ir nestes lugares de bicicleta – e não de carro e não num Shopping Center e não gastando muito dinheiro. A pergunta é: estamos mais ricos e melhorou nossa economia, mas melhorou pra quem?
Hoje, mais do que nos tempos de Saint Simon, H. G. Wells ou Fourier, a pobreza é um problema de distribuição mais do que de produção. Riqueza existe, mas ela não chega de uma maneira igualitária para todas as pessoas.
Algum sujeito já deve estar escrevendo GULAG – em caps lock – e me acusando das coisas terríveis que Stálin ou o Khmer vermelho fizeram. Não sou eles, assim como espero que o sujeito que defende o neoliberalismo não seja ou concorde com Pinochet, já que seu regime ditatorial foi um dos primeiros a adotar as premissas da escola de Chicago, nem com os militares que impuseram uma ditadura no Brasil até 1985 com o intuito de nos “salvar do comunismo” e manter capitalismo - mesmo sendo Jango tão capitalista quanto Juscelino, ambos perseguidos pela ditadura. E tão pouco com o regime nada democrático na irmã sulista da Coréia do Norte, a Coréia do Sul, que até pouco tempo adotava uma democracia nada clara ou participativa – porém apoiada pelos EUA. Da mesma forma que você não concorda com a censura na ditadura militar brasileira, eu jamais concordei com a censura na antiga URSS, assim como desprezo o monopólio da imprensa brasileira e o fato de só haver um único jornal em Cuba, controlado pelo governo. Sejamos sinceros, tanto o socialismo quanto o capitalismo já houveram e ainda ocorrem ditaduras em seu nome. Você entende que um católico não precisa concordar com a inquisição para ser católico, e nem tão pouco ele seja um oficial da inquisição ao se declarar católico, por que pensar isso então de um socialista?
Outro ataque comum, que até já rendeu livro pode ser: “mas como assim, você é socialista, porém sempre estudou em colégio particular, tem uma boa casa, vive bem, não pode!”, associando o socialismo (e afins) a pobreza, a miséria, porém é justamente isto que se busca resolver, as mazelas do mundo, acabar com a pobreza, não reproduzi-la. Socialistas, diferente de monges franciscanos, em momento algum fazem voto de pobreza. Por sinal, caso você não saiba a ideia do socialismo é justamente acabar com a pobreza.
Outro ataque comum é pegar elementos pessoais, como se o sujeito é separado, ou fuma maconha. Utilizar este argumento é nada mais do que combater o lado pessoal e não a teoria em si, dizer “socialista é maconheiro” é tão relevante para o socialismo quanto, “capitalistas não dão esmolas” é para o capitalismo. É um argumento tão importante quanto saber a posição sexual favorita, que por mais que você deseje isso, não muda uma linha de qualquer escrito de Plekhanov, por mais que você insista em tentar. No máximo desvia-se o foco para coisas fúteis como o corte de cabelo, o modelo da roupa, a quantidade de água que bebe por dia...
Por mais que se tente demonstrar que experiências como a URSS deram errado, não podemos esquecer que a crise de 1929 não acabou com o ideal capitalista, nem tão pouco a crise recente conseguiu, e ninguém fala que “o capitalismo deu errado”, mas sim que ele se renovou. Assim como o capitalismo não é o mesmo do século XIX o socialismo não é o mesmo que era praticado no século passado. Da mesma forma, problemas e mais problemas continuam existindo no mundo capitalista, por mais que o discurso de “derrota do comunismo” tente esconder e propagar uma visão de paraíso na terra. E assim como o “comunismo nunca foi alcançado”, o capitalismo que temos agora pode deixar Hayek, Mises ou Smith de cabelo em pé! E é tão cheio de contradições quanto qualquer outra teoria que busque entender ou organizar a sociedade.
Outro argumento cansativo é o de que tudo isto seria apenas uma utopia. Bem, quando se pensou a primeira vez em viajar no espaço, também era uma utopia, quando se pensou em um comunicador de voz e imagem, isto também era uma utopia. A cura do câncer ainda é, a cura da AIDS também, porque só a minha utopia não vale? Já tentaram curar a AIDS mas não conseguiram, por isso vamos desistir?1
Como dito no começo, acreditar numa utopia nunca fez tanto sentido. E não temos muitos ataques contundentes contra um ideal que faz tanto sentido as nossas crenças atuais. Acreditamos que deve haver uma distribuição melhor da riqueza, que escolher o que ser da vida dependa de elementos relevantes como seu empenho e não sua condição para pagar seus estudos, que sua cor da pele ou conta bancária não sejam um pré-requisito para ser atendido no hospital, que devido ao seu trabalho você possa ter um lazer e descanso dignos, que a fome deixa de ser uma imposição para tantas pessoas, assim como a desigualdade. O mais absurdo de todos estes males é que temos tecnologia para isso, já pode ser feito, é possível, cabe agora acreditar.

1Cabe ilustrar aqui que acredito que a cura para muitas doenças poderiam ser possíveis, porém acabam não chamando a atenção da indústria farmacêutica.

sábado, 9 de novembro de 2013

Ubuntu-Linux e o uso de Softwares livres (uma visão política)


Fazem quase dois anos que utilizo Ubuntu-Linux em meu PC. Quando comecei a cogitar de forma séria migrar para o Linux várias pessoas diziam que eu iria me arrepender. Mesmo assim, outras pessoas não me diziam isso e que a melhor forma de saber algo era tentando e experimentando (se arriscando). Acabei escolhendo a aventura e testei o Ubuntu e o Linux Mint, me decidi pelo primeiro – do qual sigo usando. Minha conclusão hoje, quase dois anos depois é a de que eu não me arrependo em nada, pelo contrário, defendo o uso do Linux e pretendo nunca mais usar Windows num computador meu.
Fazia muito tempo que ouvia falar sobre o tal do Linux, vez por outra aquele pinguinzinho aparecia em algum lugar para provocar. Algumas lendas acompanhavam os boatos sobre o Linux: “não trava”, “não pega vírus”, é mais rápido”, “linha de comando”. Porém o que me seduziu de vez para o mundo do software livre foi quando comprei um computador e ele veio com Windows 7 Starter junto. Ora, a primeira coisa que você quer fazer quando tem um PC (Personal Computer) é personalizá-lo não é mesmo? Porém a versão mais leve e barata do Win7 não permite ao usuário modificar coisas básicas como sua aparência. Existem programas e gambiarras para quebrar este bloqueio todo, verdade, mas minha experiência diz que esses programas e gambiarras que prometem maravilhas só estragam e travam mais ainda seu computador.
 O que ocorreu é que eu utilizava o software mais comum entre os computadores1, havia pago por isso (é preciso uma licença), não fui consultado a respeito do software que haveria no meu PC na hora de realizar a compra (pô, não é pessoal?), isso sem falar em toda uma série de restrições a um produto que é meu (desde o hardware até o software). Pode parecer exagero, mas isto só deixou claro para mim como as relações de exploração capitalista funcionam. Mesmo que a Canonical (empresa desenvolvedora do Ubuntu) seja também capitalista, e não há dúvidas sobre isso, ela me permite uma liberdade muito maior em relação ao meu computador pessoal.
Ocorreu que poucos meses depois do teste inicial, aboli de vez o uso do Windows e qualquer programa da Microsoft em meu computador e minha vida segue feliz da vida com o Ubuntu-Linux. Admito que é ótimo não se preocupar com vírus e desfragmentação de disco, além disso existem programas equivalentes, livres e gratuitos para tudo que eu preciso no meu computador (navegar na internet, ouvir música, assistir vídeos, editar textos), alguns até melhores do que os pagos da Microsoft, a exemplo do VLC e comparação com o Windows Media Player. Os bugs não são recorrentes2 e há quase dois anos não dependo de assistência técnica. Quando necessário eu mesmo formato ou corrijo qualquer problema no meu PC, já que a maioria deles são simples e a comunidade Ubuntu bem atuante.
Linux é bem mais “faça você mesmo”, o único empecilho para as pessoas (acomodadas), já que nada mais do que a vontade de aprender resolva.
Mesmo que uma série de possibilidades colocadas aqui (desde não pagar pelo Software até você realizar a manutenção do seu computador) sejam também possíveis no Windows, vejo no Linux uma abertura bem maior e sincera para isso, até porque a ideia do Linux é justamente esta. Por exemplo, há uma tendência comum da Microsoft em vender primeiro uma “versão de teste” e depois lançar a “versão definitiva”. Por exemplo, quando lançaram o primeiro Windows, ele era apenas um programa para o DOS, fizeram assim para não ficar pra trás na concorrência, ou seja, seus lucros ficaram acima da qualidade do produto vendido. Depois tivemos o Win98, que até pouco tempo atrás era a base do Windows, tendo várias versões “de teste” até chegarem no XP (alguém lembra do WinMillenium?). O WinXP era baita bala, um Win98 moderninho, adaptado para os anos 2000, mas não demorou muito lançam o Vista, que nada mais foi do que uma bomba de testes para o Win7 – que traz algumas mudanças conceituais importantes, que já vinham sendo utilizadas no Mac e Linux haviam alguns anos. Agora com o Win8, temos a chegada de uma nova interface para o usuário e novamente um produto experimental. O curioso é que a Microsoft garante muito de seu mercado pelo seu fator conservador, são sempre os últimos a se adaptarem as mudanças e creio que isto faça com que produzam softwares tão “confortáveis” de utilizar.
  O que quero colocar afinal, é que existe um lado político (mesmo que não seja o mais importante) no uso de seu PC. Ele ocorre pelo que você faz com ele, seja baixar músicas ignorando as atuais leis de direitos autorais3, escrevendo textos para um blogue que ninguém lê, ou utilizando softwares livres. A política está muito além dos partidos – creio que os partidos são a menor parte da política – está muito mais nas tuas ações do que no teu posicionamento4. É a velha história do cara que vai na passeata contra a corrupção e depois compra produtos falsificados, ou defender o liberalismo e estudar numa universidade pública. Quando se faz algo, você desenvolve relações, as relações é que geram o jogo político, independente da esfera. E este motivo acaba sendo o principal que me leva a utilizar softwares livres ao máximo possível.

 
1Parece que 90% dos computadores utilizam alguma plataforma Windows, por isso a maior parcela dos vírus são para Windows, o que favorece para os boatos de que Linux e Mac não tem vírus.
2Apesar de que nos últimos anos a Microsoft conseguiu corrigir uma série de erros históricos do Windows.
3É importante colocar que boa parte das discussões a respeito do download de músicas na internet se baseiam numa reescrita das leis de direito autoral atuais, não um simples desprezo pelo direito autoral.
4Mesmo que teu posicionamento determine em muito as tuas ações.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Da educação - sua estrutura


Todo dia milhões de crianças e milhares de adultos são torturados em nome de algo muito importante e digno, porém que sabemos não surtir efeito algum. Os resultados disso vemos todo dia por ai em vários setores e de várias formas, desde o direto consumo de anti-depressivos até péssimos profissionais e pessoas privadas de um mínimo de cidadania. Pode parecer exagero, mas isto tudo está ligado a escola, seja de uma forma ou seja de outra.
O primeiro item a levarmos em consideração é o de que sim, uma educação é fundamental, seja pela formação de uma pessoa enquanto indivíduo, seja pelas necessidades do mercado de trabalho. O segundo item a ser levado em consideração, e este é muitas vezes esquecido, da forma que as escolas estão não tem mais jeito. Ainda seguimos um modelo criado nas entranhas da revolução francesa, e o resultado já sabemos: vê-se de tudo e não se aprende nada.
Devido a distância que mantemos da escola, acabamos esquecendo muitas vezes como ela é. Recordo de maneira rápida: torturante, angustiante, humilhante. Como durante a maior parte da minha vida fui aluno, acreditava que isto era algo restrito aos alunos, porém agora que sinto a experiência de professor lhes afirmo o óbvio que parece ser tão relevado: alunos e professores odeiam a escola. Entretanto alunos estão dispostos a aprender, não todos é verdade, mas muito deles estão. Porém fatores e mais fatores acabam desestimulando os alunos, e não é um professor mais “dinâmico” que vai resolver a situação. Até pelo fato de que entre a maior parcela dos professores podemos perceber uma vontade por lecionar, há um prazer nisso, mesmo sendo inegável a má formação de muitos professores. Eu me incluo entre estas pessoas que gostam de lecionar, mas sei que um dos meus maiores obstáculos toda vez que vou dar aulas é este formato torturante que não ensina nada a não ser criar um saco de paciência bem grande, a ficar quieto sentado, a controlar suas necessidades fisiológicas e a portar-se da forma habitual sob o menor sinal de autoridade – e isto vale para alunos e professores.
Para quem está faz algum tempo fora de uma sala de aula, lhes peço para recordarem como eram seus tempos de estudo, não da faculdade, da escola mesmo, ensinos fundamental e médio.
Cito um exemplo comum no campo empresarial; se temos um negócio que não está atingindo os lucros desejados as alternativas mais comuns são duas: ou fecha-se este empreendimento declarando sua falência, ou muda-se a forma com que tal negócio é empreendido. Ora, lhes pergunto, se a escola não funciona do jeito que está, porque insistimos nela? Abrir mão do ensino nós não queremos, por isso me questiono porque não acabamos com o formato de escola que ai está e criamos algo novo?
Sejamos sinceros, quarenta e cinco minutos não é tempo suficiente para se aprender algo, entretanto para quem não quer aprender, estes quarenta e cinco minutos são equivalentes a uma silenciosa tortura, e imagine noventa minutos. Sinto na pele uma diferença nítida, e lhes afirmo, são questões notáveis. Porque não temos uma divisão, que em vez de respeitar a lógica das idades (séries) respeite a lógica dos interesses (assuntos)? Quer aprender matemática financeira, vá assistir aulas de matemática financeira, quer aprender sobre a história da China antiga, vá ver aulas sobre a China antiga, se tem interesse em aprender latim que assista aulas de latim, e assim sucessivamente. Teremos alunos interessados, o que gera um empenho muito maior por parte dos alunos, tornando o ambiente de sala de aula mais confortável e produtivo para educandos e educadores. Isto óbvio, não poderia ser desde o princípio, uma base é importante, claro. Mas depois de certa idade, já temos uma noção do que gostamos ou não, do que queremos e do que não queremos. Tal necessidade de decisão por parte dos alunos já gera um desenvolvimento da maturidade, da responsabilidade.
Mesmo assim você pode fazer parte do clube que vê a escola com olhares conspirativos, “querem que o povo seja burro mesmo”, “isto serve apenas para formar mão de obra”, “é uma maneira de disciplinar o povo”. Afirmo que faço um olhar simpático (se é que não me incluo ai) para esta forma de olhar a escola. Instrumento de manipulação e continuam investindo nela, porque sim, ela vêm funcionando exatamente como “eles” querem. Concordo que este argumento é plausível, mas fica a questão: nós enquanto sociedade queremos o que? Atender índices para que o MEC não perca financiamentos do FMI e outras entidades internacionais ligadas ao capitalismo global que vivemos hoje em dia? Porque nenhum país, até mesmo Cuba que se propõem a outro formato de sociedade, tem um formato diferente de escola? Só para lembrar, escolas que adotam estes sistemas alternativos de ensino alcançam índices excelentes de aprendizado, vide experiências de autodidatas ou da escola da ponte.
De forma geral temos uma estrutural educacional estrangulada. Platão, Sócrates, Da Vinci, Copérnico, Tomás de Aquino e Bhaskara aprenderam, tiveram professores, e até podemos dizer que eles foram para escola, mas sem sombra de dúvidas ela não era neste formato que temos hoje.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Sobre as manifestações de 2013 no Brasil


        Perdemos o foco, para além do genérico, pouco se sabe onde quer chegar. Tirar um presidente e colocar outro, a título de exemplo, pouco muda para melhor, e o mesmo vale para qualquer outro político, já que este mecanismo institucional pouco nos permite para além disso. Depender dele para a mudança não adianta, e o que as manifestações mais mostram é que tomamos - finalmente - consciência disso, nem que seja um pouquinho, sacamos ao menos que política é muito mais do que escolher um rosto bonito a cada dois anos. Falta querermos mudar nós mesmos.
       Falam em educação, corrupção, saúde e tantas outras coisas vitais, porém não olham para as questões mais próximas, não há foco. Não percebem por exemplo que defender a legalização da maconha seria uma forma fantástica de combater a corrupção gerada pelo tráfico e enfraqueceria ele como nunca. Além disso no Brasil a maconha acaba servindo de porta de entrada para outras drogas, pois sua proibição faz com que ela seja vendida no mesmo lugar que a cocaína, o crack, a merla e outras substâncias ALTAMENTE nocivas, seria legal acabar com isso. Fumar um baseado de vez em quando pode também sanar a "dependência" de muita gente em relação a anti-depressivos e outros tantos "estimulantes para a vida". De quebra podemos sanar problemas de segurança advindos do tráfico e talvez até mesmo de saúde. Mas pelo que vejo preferem cobrar moralidade, e pergunto, por que "MACONHEIRO" é xingamento? O mesmo vale para "viado" e por ai vai.
         A educação é o ponto que mais me incomoda, todo mundo fala que ela tem que melhorar - até o aluno "bagunceiro", que não presta atenção na aula, só faz piada - , mas a sugestão dada é sempre aumento da carga horária, mais aulas, mais matérias, mais tempo na escola, ou seja: MAIS BUROCRACIA. Burocracia não tem nada a ver com educação, burocracia foi inventada entre os governos de língua alemã de fins da idade média com vista em incrementar sua renda (restrita a uma coleta imprecisa de impostos e guerras). Platão, Sócrates, Da Vinci, Rafael, Tomás de Aquino, Galileu e tantos sujeitos que chamamos rotineiramente de "gênios" não foram para a Escola que temos hoje em dia, isso é tão certo quanto a gravidade. Sabemos que eles estudaram, não temos dúvida sobre isso, e poucas vezes percebemos que eles desenvolviam um conhecimento que claramente abrange várias áreas do conhecimento. 
        Sugerir uma escola não obrigatória, sem matérias obrigatórias onde o aluno escolhe o que estudar parece absurdo dentro da nossa sociedade de controle. O mesmo vale para a legalização da maconha. Sigo pedindo mais parques e áreas verdes dentro das cidades, uma estrutura que incentive o uso da bicicleta para sanar problemas de saúde, não mais hospitais, postos de saúde, médicos e burocracia - marcar consulta, receita para pegar remédio, ficha cadastral para não pagar pelo remédio, etc. 
       A sociedade que ai está é a mesma que motiva a irmos para a rua, pois ela nos gerou este descontentamento, e justamente por isso me estranha que se pede um melhoramento dela, ou seja, tornar esta opressão do capital mais eficiente, não transformar, mudar e deixar de transferir nossa responsabilidade para outras pessoas, pois isso leva ao totalitarismo, e foi isso que foi feito durante a maior parte do tempo nas últimas eleições - por exemplo - ou quando falamos, "isto não é minha função", "entendo seu problema, mas não posso lhe ajudar".
         Por fim, esta mudança não vêm do canto do hino nacional, nem da bandeira criada pelo governo militar ditatorial que implementou a república lá em 1889. Isto é a sociedade que gera nosso descontentamento, não reforcem ela. Mudem-se!

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Água da Chuva



As gotas de chuva, intensas caem no telhado. Dá para sentir o cheiro da cerâmica molhada, chove faz pouco e os cheiros são mais frescos e intensos. Fico olhando de longe a água escorrer no vidro. Pode parecer piada, mas isto é melhor que muita coisa por ai, como ler ou escrever. Prefiro olhar a chuva cair e a água escorrer do que trabalhar, não há dúvidas. Junto com essa chuva que escutamos cair no telhado dessa casa vazia, ainda com pouca mobília, um frio vem chegando. Dá pra sentir que ele passa mais fácil pelo vidro, este mesmo que ficamos vendo a água da chuva escorrer.
Vejo você na cozinha, sinto o cheiro do café daqui da sala. O frio começa a arrepiar minha pele, estou com menos roupa do que exige o clima, você, como sempre, está linda, mesmo usando esta roupa cinza, folgada, feia, continuas linda. Quero te abraçar, mas prefiro esperar mais um pouco, deixar pelo menos o café ficar pronto. Ainda em silêncio você me traz a xícara, com leite, sempre lembro de café com leite, era esse meu posto nas brincadeiras quando criança, não entendia porque um posto ruim tinha nome de coisa boa. Tu sentas do meu lado, eu me arrepio, e seguimos sem dizer palavra. Sem nos tocarmos bebemos e olhamos a chuva.
Tão logo as xícaras são depositadas do lado desse nosso colchão no chão, te envolvo as ancas com meu braço e em seguida, como que buscando uma conclusão do movimento, eu te abraço. Nos jogamos nesta mistura de colchão, cobertas e lençol. Agora junto com o barulho da chuva dá para escutar nossos beijos, nossa pele roçando uma na outra. Sinto com os lábios tua cartilagem, tua pele, teu pescoço. Você muitas vezes fica só parada, esperando meus beijos, eu abro um pouco os olhos e vejo você linda, o que só me faz querer te beijar mais e mais. Nos envolvemos por baixo das cobertas, feito crianças fazendo uma cabana. Isso faz com que o barulho da chuva pareça estar mais longe.
Começa a subir aquele calorão, que termina na cabeça, faz a gente querer explodir, é o melhor calor do mundo, ele é diferente do verão, da fogueira ou do aquecedor, é um calor que vem disso que chamamos de alma. Ele, assim como teus dedos, passeiam pelo meu corpo, que obedecendo tuas vontades vai ficando nu. Gosto do momento que meu peito encosta no teu, em que sinto teu calor e as batidas do teu coração. O meu bate forte, apressado, apaixonado. Nos abraçamos e nos apertamos forte, como se isso fosse um esforço pra nesse momento sermos um. Tua mão desce pela minha barriga, acaricia meus pelos, segura com carinho e puxa pra ti. Logo sinto tu daquela forma única e úmida. Te aperto procurando te imitar. Tu como sempre, vai ficando cada vez mais linda, especialmente quando depois de um tempo, sorrisos e suspiros escapam.
Não sei como mas sei que toda vez isso acontece, tu me derruba, eu caio, me acabo, desmonto. Fico sem forças, e ainda assim sinto vontade de te beijar, te abraçar e ficar mais algum tempo contigo. Tua pele e a minha se namoram mais um pouco enquanto ao som da chuva conversamos com os olhos, e pouco importa a pouca mobília e o colchão no chão porque não temos uma cama. Meu peito se abriu ao teu no momento em que se tocaram, peguei um pedaço de ti e tu um de mim, difícil negar isso, coisa que só os que não tem coração fazem. Cuida desse pedaço de mim, pois eu carrego um teu também.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Da alimentação

Edward Hopper, 1942

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Anos atrás o que vinha estampado em destaque junto a embalagem de produtos alimentícios eram as características nutricionais: omega 3; vitaminas A, B, C e outras letras do alfabeto, metais como ferro ou zinco, etc. Você encontrava alguma propriedade nutricional nas embalagens, sempre. Hoje o que está estampado nas embalagens é zero. Zero lactose, zero gordura trans, zero açúcar, zero alguma coisa. A primeira coisa que percebemos é que agora já não se busca suprir seu corpo com o máximo possível de propriedades nutricionais, mas sim evitar o máximo possível de “não-propriedades” - acho que aqui fica claro o quanto eu não entendo nada de nutrição e ciências afins, mas a proposta não é indicar uma alimentação saudável, e sim pensar nossa relação com algo tão cotidiano: comida.
De qualquer forma nossa alimentação é altamente industrializada, sabemos disso, está bem claro pelo menos toda vez que comemos, alguma coisa será industrializada, pelo menos o tempero. Agora outro dado interessante é que precisamos ser convencidos constantemente de que esta alimentação industrial tenha boa qualidade. Primeiro as embalagens não marcavam nada além do produto. Porém houve alguma necessidade para que em algum momento a embalagem possuísse mais do que o produto para te convencer a comprar. Ora, já se sabia que um pacote de bolacha recheada não é tão saudável quanto uma manga, dai a necessidade de camuflar o alimento vendido, indicando bem grande que ele possuía alguma, senão várias – quem sabe até mais do que a referida manga – suprindo assim alguma deficiência nutricional. Sobre isto, vale lembrar dos casos em que alguma vitamina é indicada na embalagem, mas ela não é encontrada dentro da composição dos ingredientes.
O tempo passa, e até nos convenceram de que adquiro algumas propriedades por meio de alimentos industriais. Não minto ao dizer que acredito nisto. Mas o que acontece é que sabemos que junto com as referidas propriedades nutricionais vêm também um monte de porcaria, ou simplesmente desnecessárias. Por isso agora os alimentos industriais precisam indicar não mais alguma pretensa propriedade nutricional, mas sim a ausência de elementos que fazem muito mal ao nosso corpo (quantos pacotes de gordura trans eu já não devo ter comido sem saber?). O que ocorre afinal é que sabemos muito bem da verdade, alimentos industriais não são a melhor saída para uma boa alimentação, por isso esta necessidade de nos convencerem constantemente de que ele vale a pena. De qualquer forma fico pensando em qual será a próxima saída para a produção deste regime de verdade: a de que enfiam goela abaixo alimentos péssimos, porém necessários para manutenção do capitalismo. Será que haverá explicações sociológicas entre o consumo de alimentos industriais e o modo de vida que temos hoje? Muito parecido com as embalagens, antes apenas bonitas, depois indicando algum valor nutricional e agora o oval zero. No mínimo preocupante. Não gosto de indicar caminhos, mas vejo uma ligação entre matadouros e fábricas, plantações de soja (que viram ração pra gado) e escritórios, transgênicos e a “ala cancerígena” do hospital. Gosto de saber o que entra nesse meu corpo.
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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Meu coração é feito uma granada

Foto de Rodney Smith

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Estas palavras não tem sentido algum enquanto você não os der. Toda minha linguagem não significa nada enquanto você não estiver aberto para ela. Minha pele é asquerosa enquanto ela não arrepia ou aquece a tua no contato. A experiência precisa ser completa. O corpo é minha estética, por isso o uso, experimento, sabendo que o que importa é o momento. Dois segundos ou três, que me aceleram o coração, um beijo ou dois, errados, tortos feito eu. Aprofunde, afunde, deixe entrar a paixão. Amor livre é estar aberto ao amor, amor livre é amar da forma que meu amor me permite, amor livre é poder te abraçar, amor livre é a minha forma de amar. Não importa o que digam, minha autonomia e independência me ajudam, me levam muito mais longe que o medo. Medo de cair, de se jogar, desprender e até de amar. O medo me fez esquecer do amor, do carinho. Seja o de tua pele, seja o de meus amigos, seja trabalhando, carinho. Nunca se deve negar carinho. Ele como a arte são essenciais para a vida. Não faça do mais importante algo vazio, complete, encha até transbordar, sua vida precisa de arte, precisa de ar. O homem não inventa coisas por acaso ou capricho, ele inventa para sobreviver. Arte e amor são mais que mero entretenimento. Estética é mais do que tabelar e reproduzir o que é belo ou feio, estética é minha pele, o arrepio, o frio, o calor, a água do rio que toca, estética é o contato mais intimo que eu tenho com o meu corpo. Meu corpo é a última coisa que me tiram, é o fronte mais difícil e constante da minha vida. É ele que sofre e sabe melhor do que eu o que é o amor, é ele que sente como nada no mundo a arte, ele que dança, que chora, ri e se embebeda. É com ele que eu luto. Luto pela minha liberdade, pela minha estética. Meu coração é feito uma granada.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Pescador sem Mar


Queria colocar uma foto de alguma dessas vilas que existem costa a fora, na preguiça e ausência deixo um Klimt.

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PESCADOR SEM MAR

Era o finalzinho da tarde. O sol já começava a se mostrar laranja. Mesmo com todo o calor que fazia, Rose preparava o café para Ivo, seu esposo. Ela sabia que ele gostava de tomar uma xícara antes do dia acabar. Tão logo Ivo sente o cheiro do café coando, ele vem. Pega nacos de pão e o besunta com a margarina já posta sobre a mesa. Pela porta aberta ele conseguia olhar o mar, estava tão perto que era possível escutá-lo. Assim que Rose serve as duas xícaras de café e senta, chega Ezequiel: “Opa, tudo bem seo Ivo? Tudo bem dona Rose?”. O pescador nem se dá ao trabalho de responder, apenas olha seco. Ezequiel sabia que Ivo não gostava dele. Enquanto sua esposa abria um sorriso, o cumprimentava cordialmente e logo puxava uma cadeira convidando a visita para sentar:
  • Cheguei na hora certa, né dona Rose? Bem na horinha do café! - falava cheio de si enquanto sentava, algo que parece ser importante para um corretor de imóveis.
  • Ah, o cafezinho aqui em casa é sagrado, se não tem café no final do dia o Ivo fica que fica – responde Rose com um largo sorriso nos rosto – Não é mesmo benzinho? - fala ela dando um tapinha de leve no ombro do esposo com a clara intenção de inseri-lo na conversa.
  • Hum – é tudo que ele responde.
Apesar da conversa começar em tom trivial, todos os três sabiam o que Ezequiel queria. De tempos em tempos ele ia conversar com os dois sobre alguma proposta para compra da casa. Ivo e Rose tinham uma casa praticamente de frente para o mar numa pequena vila de pescadores chamada Araçá. Algo que se pode perceber pelos barquinhos amarrados ao longo da estreita orla. Fazia algo como uns cinco anos que a prefeitura da cidade, visando incrementar o forte potencial turístico da cidade, asfaltou a estrada que antes era de terra e colocou placas indicando o caminho para as prainhas que existiam neste trecho da costa do litoral sul. Isto veio acelerar a construção das mansões nessa região, a maior parte dos donos, gente de fora, “forasteiro” como gostava de dizer seo Ivo nas vezes que conversava sobre isso com alguém que simpatizava:
  • Fala logo – disse Ivo quase num sussurro. Ezequiel aprendeu rápido que perder tempo não era bom e logo desembuchou.
  • Eu estive conversando com um sujeito de São Paulo, bem, ele acabou de passar o verão por aqui, perto do carnaval, e viu a sua casa e a do lado. O que ele veio falar comigo foi o seguinte seo Ivo: a do lado, a casa do César tá a venda, tem a plaquinha da minha corretora e tudo mais, como o senhor bem sabe, mas o que ele visualizou pra realizar o sonho dele, como ele me disse, é que ele precisava da sua casa também. Dai ele foi lá no meu escritório, conversou comigo e explicou toda a situação. Ele ficou muito, mas muito interessado mesmo...
  • não – cortou secamente Ivo. Ezequiel já havia conversado outra vez, apesar da quantia em dinheiro ser maior agora que na primeira, o corretor já sabia que não adiantava só falar de dinheiro, também sabia que precisaria usar-se de Rose para convencer o pescador teimoso e regrado que era Ivo.
  • Bem, não vou mentir para o senhor, sei que não é uma decisão fácil, independente do valor a ser pago, lhe dou toda razão neste quesito, toda. Por isso eu vou deixar aqui o contrato para o senhor ler, sei que o seu filho entende bem dessas coisas, assim o senhor pode analisar com calma, conversar com sua família a respeito disso tudo, e eu venho daqui uma semana conversar com vocês mais uma vez, tudo bem seo Ivo? - concluiu ele estendendo a mão para o pescador. Com uma clara falta de vontade Ivo aperta a mão de Ezequiel com a ponta dos dedos, “parece que eu estou segurando uma cobra com a mão”, pensou ele.
Esperto como era, Ezequiel entendeu bem a situação que se apresentava. Terminou de tomar a xícara de café que a matriarca lhe oferecera, fez uma expressão de agrado ao terminar o café, cumprimentou dona Rose e foi embora dando um simples abano por entre a porta.
Como se nada tivesse ocorrido, Rose começava a arrumar a cozinha, preparando para a janta:
  • simpático esse rapaz não? - falava ela de soslaio querendo puxar conversa.
  • Nem tanto, é um interesseiro isso sim - retrucava ele querendo encerrar a conversa. Ocorre uma pausa e ela segue fazendo aqueles comentários típicos de mulher:
  • Fiquei sabendo que a Júlia e o Roberto venderam a casa deles agorinha em janeiro. Parece que em março eles se mudam. Ganharam uma nota preta! Conversei com a Júlia ontem e ela me contou do apartamento novo que eles compraram ali perto do ginásio municipal. Ela vai fazer tudo novo, cozinha nova, banheiro novo com aqueles pias modernas, disse que não quer levar nada do que tem nessa casa aqui, que vai entregar a casa com tudo dentro.
  • Hum – responde Ivo daquele jeito bronco típico dos homens.
  • E parece que vão poder até comprar um carro novo – arrematou Rose enquanto enxugava um prato e seus olhos brilhavam. Ivo olhou o mar pela janela e soltou:
  • Você já ouviu falar em condomínio ou IPVA? - Ela não disse nada. Terminou a louça, sentou na mesa e começou a folhar os papéis deixados sobre a mesa. De forma um pouco rude ele pergunta:
  • O que tu quer ver ai?
  • Nada, só dar uma olhada, até porque metade da casa é minha, direito garantido por lei, então pelo menos metade das coisas e da casa são minhas.
  • Não vais pegar nem um terço do contrato não sabendo ler.
Irritada Rose deixa os papéis na mesa e começa a mexer nos armários e geladeira, nervosa, buscando afazeres da cozinha. Ivo logo percebe que ela estava magoada. Pega os papéis, passa o olho rapidamente pelas páginas, arregala o olho onde estava escrito o valor, olha mais um pouco e deposita a papelada novamente sobre a mesa. Caminha calmamente até Rose, que estava visivelmente irritada. Deposita suas mãos marcadas pelo sol e água salgada nas ancas dela, lhe dá um beijo suave no pescoço e diz calmamente:
  • Dessa vez um vou pensar mais no assunto tá? Eu estive vendo e a grana é mais alta, quem sabe vale a pena, mas isso eu tenho que pensar.
  • Tá bom – responde ela baixinho. Ele dá mais um beijo nas costas dela, aperta as ancas mais forte e fala em tom brincalhão:
  • Em últimos casos tu pode vender a tua metade e eu fico aqui sozinho com os peixes. - Ela ri um pouquinho, se vira, envolve seus braços no pescoço dele e lhe dá um beijo, deixando claro que era isso o que queria ouvir. Ele dá um tapa na bunda dela e vai terminar de preparar seu equipamento de pesca para o outro dia.
§

O sol já começava a pintar o mar. Assim cedo Ivo adentrava a água, sozinho. Já trabalhou com um ajudante e depois com seu filho que agora mora na cidade e trabalha para prefeitura. Até chegou a tentar alguém para lhe ajudar, mas era difícil alguém que já sabia e Ivo não tinha mais muita paciência, por isso preferia ir sozinho pro mar, apesar da aflição de Rose. Ele lembrava de quando era novo e precisava tomar o mar com seu pai. Acordavam cedo, mais do que havia se habituado a acordar agora. Hoje ele olha do seu barquinho para vila e rememora como era antes. Não mais que duas vendas, a escolinha e o trapiche. Agora existem uns cinco mercados, duas lojas de roupas e quatro lojas de quinquilharias que lotam de turistas no verão. Venda? Essa palavra parece já nem existir mais. A escola? Um ônibus vem buscar as crianças agora para estudarem numa escola “mais moderna” no centro. O trapiche ainda está lá, agora é de concreto e tem boa iluminação. Ali do lado, como que uma peça de decoração fica o barco que agora faz passeios turísticos. Antes quase todo mundo vivia da pesca, agora quase metade do pessoal tirava sustendo nos poucos meses de temporada, “trabalho menos e ganho mais”, dizia Timóteo que era o dono do barco de passeio. Ivo achou curioso que conforme se afastava da vila, percebia que ela se afastava cada vez mais do jeito que ela era outrora.
Quando voltou do mar seu filho estava esperando na cozinha. Apesar de Rose estar ali também, o silêncio era reinante. Da mesma forma que Ivo entra na cozinha, Rose some pela casinha pequenita. Caminha ofegante até o filtro de barro e enche um copo com água:
  • Tudo certo pai? - Pergunta seu filho.
  • Sim sim, vai tudo bem.
  • E pegou muito peixe hoje?
  • Peixe já não tento mais desde que você foi morar na cidade, os barcos grandes e os forasteiros pegam tudo que é peixe agora, não sobra muita coisa, você sabe disso.
  • É, sua ideia dos mariscos foi muito boa, não vou dizer que não. - seu pai consente com a cabeça como se quisesse dizer, “eu sei”, ocorre uma breve pausa e seu filho retoma a conversa – Fiquei sabendo agorinha conversando com a mãe que o Ezequiel veio até aqui ontem, parece que tem alguém bem interessado pela casa – Mesmo não tendo estudado muito Ivo nunca foi bobo, sabia que sua esposa já havia conversado com o filho. No minimo cedinho enquanto ele estava no mar, e que eles planejavam tudo nos aproximadamente quinze minutos em que lhe esperava. Além do mais, seu filho não ia até a vila do Araçá por qualquer motivo, “não gosto daqui”, dizia ele toda vez que conversava sobre o lugar. Sabendo de antemão o que o filho queria, ele mostra o papel onde estava escrito o valor, seu filho tem a mesma reação que a do pai quando viu o valor: arregala o olho.
  • Já pensou nisso pai? Com um valor desses nem precisa pensar pra dar resposta alguma!
Sem dizer palavra ele coloca a mão no ombro do seu filho e o chama com um movimento nos dedos. Atravessam a rua, marcam seus pés na areia. O pescador começa a colocar seu barco na água com inigualável habilidade, pede para o filho entrar dentro, o empurra para dentro do mar parecendo ignorar as ondas e começa a remar. Algumas pessoas olham a curiosa cena de um pescador e um sujeito de roupa social no mesmo barco. Ivo rema até uma distância razoável da costa, mas não muito longe. Recolhe os remos e senta-se ao lado de seu filho, olhando o vilarejo:
  • Tu lembra como era isso aqui quando a gente era mais novo?
  • Um pouco não muito.
  • Faz esforço seu preguiçoso – ele aperta os olhos, põe a mão sobre a cabeça e começa a falar:
  • Lembro, mas não muito, tá tudo muito diferente, parece que daqui a pouco não vai mais ser assim, cinco ou dez anos e a cara da vila será toda outra.
  • Tu lembra do Felipe? Sempre brincavas com o filho dele.
  • Sim, lembro sim pai, porque o que que tem?
  • Ele vendeu a casa dele faz uns cinco ou quatro anos, foi morar na cidade. Ganhou uma grana preta, comprou uma casa toda nova, roupas novas e até mesmo um carro. Desde que ele tinha ido embora nunca tinha mais visto ele, mas faz umas cinco semanas eu vi o Felipe quando fui pra cidade. Agora ele está um pouco mal do dinheiro, não consegue emprego e quando consegue não suporta ficar no emprego. Vocês da cidade chamam a gente de vagabundo e burro, mas não entendem que a gente não sabe ficar parado feito vocês. Riem da nossa pele seca do sal do mar, mas ficam o dia todo trancados no ar condicionado, mal percebem o quanto isso seca os olhos e incomoda o pulmão. Adoram vir pra cá olhar a natureza porque fogem do concreto, mas quem concretou o mato onde se vive foram vocês mesmos. É bom que agora não tem mais poeira em casa, mas por causa do asfalto veio mais gente e agora a praia é cheia de lixo. Não bastasse foram comprando as casas de gente como o Felipe ou Roberto, destroem a casa deles e fazem outra. Agora na areia da praia é cheio de caco de tijolo, cimento e azulejo por causa das obras. Só não constroem a casa em cima da areia porque ela é mole. Eu não gosto disso meu filho, isso me desagrada a alma, parece que vocês querem matar a gente, não suportam o jeito que vivemos. E quando não querem matar, ignoram, como se a gente fosse nada.
  • Mas pai – ele enxuga o suor da testa – as coisas mudam, as pessoas mudam, a evolução está ai. Além do mais olha quanta coisa dá pra fazer com esse dinheiro! Se tu quiser dá pra começar um negócio, comprar uma casa nova, um apartamento desses que tem agora no centro. Tu precisa deixar de ser tão conservador.
  • Tu não entende. Minha dor não é a mudança, é o fim de algo tão bonito, não vês que foi nessa vila que constituí minha vida e tu parte da tua? Não te dói perceber que no terreno onde tinha o abacateiro em que brincavas agora tem uma mansão? O Felipe deixava a gente entrar no terreno dele, pegar abacate, tu e teus amigos brincavam lá a tarde inteira. Agora o muro é tão alto que nem daqui eu consigo ver o que tem naquela casa. Além do mais, que sei eu fazer que não viver do mar? Acho também que eu ficaria mal se morasse numa casa sem terra. Uma vez fiquei uma semana no centro de Florianópolis, foi então que eu percebi que não tinha barulho do mar, mas de carro, dormi mal uma semana inteira, a primeira coisa que eu fiz quando voltei foi dormir. Além do mais, tu viu como está o Felipe? Feito peixe fora d'água.
Em silêncio os dois contemplavam o vilarejo. Era cômico a combinação de barcos de pesca e lanchas, casinhas coloridas e desbotadas dos pescadores como que perdidas entre as mansões:
  • Mas tu viu a quantia? Vais negar esse dinheiro todo?
Ivo dá um forte abraço em seu filho envolvendo-lhe o ombro com as mãos. Volta para o remo e os dois voltam em silêncio para casa. Ao chegar dona Rose estava terminando de colocar a mesa. O silêncio dos dois lhe parecia confirmar tanto que estava decidido vender a casa que ela nem percebeu a cara de tristeza estampada na face deles. Comeram em silêncio, os dois com cara fechada e a mãe com sorriso de orelha a orelha.

§

Sexta-feira era o dia do bar. De maneira metódica não bebia a semana inteira ou nos domingos, um pouco sábado, mas a pinga de sexta-feira era sagrada. Conversava com seus amigos pescadores, fizeram chacota com Timóteo porque agora tocava o negócio do passeio turístico, andava “feito um gigolô”, disse Ivo. Riam, pois diziam que andava mais emperequetado que uma quenga. Geralmente Ivo voltava até a meia-noite, mas dona Rose já começava a ficar preocupada porque ele não voltava. Impaciente como estava, assim que deu uma hora da manhã foi até o boteco em que ele habitualmente ia; já estava fechado. Caminhou mais um pouco e foi no seguinte, mesma coisa; fechado. Roendo as unhas caminhou atentamente pela rua da vila esperando ouvir algum barulho de seu marido, que tinha por hábito fazer estardalhaço quando bebia. Rodou e rodou mas não o encontrou. Olhou o trapiche, um barco acabava de chegar carregado de peixe, imaginou que ele estaria lá, conhecia todo mundo e sempre lhe pediam algum palpite. Perguntou e nada. Desistiu conforme voltava para casa. Preparou-se para dormir, janela aberta e ventilador ligado, mas o sono não vinha.
Apesar da aflição a sonolência que começava a lha acometer às três da manhã passada não lhe permitiu escutar Ivo chegar. Ouviu “Rose, Rose meu amor” e deu um pulo. “Rose xuxuzinho”, ecoava em alto tom a voz torta do pescador. Ao chegar na cozinha Ivo já estava sentado, terminando um cigarro, algo que não tinha hábito. Tocando suavemente a coxa convidava sua esposa para sentar em seu colo. Ainda assustada por não entender nada, ela senta. Recebe os habituais beijinhos nas costas, o que lhe acalma, mesmo não gostando do bafo da cachaça. Ele pega nela da maneira habitual de quando bebia e começa a disparar:
  • Lembra da capelinha que ficava a uns trezentos metros daqui?
  • Sim, lembro sim, sempre ia rezar lá com minha mãe. Foi lá que nos conhecemos.
  • Isso mesmo, quando te vi quietinha fingindo rezar teu terço enquanto me olhava de soslaio, me apaixonei. Foi assim que comecei a ir sempre que podia lá na esperança de te ver.
  • Parece que deu certo – responde ela sorrindo.
  • Passei hoje ali na frente, não tem mais a capelinha. Tinha esquecido que aos pouquinhos foram parando de ir nela, que ninguém mais cuidava dela. Agora tem uma igreja de crente. Sabia disso, da igreja e da capelinha, mas só hoje eu me dei conta que esse lugar tão importante já nem existe mais.
  • Talvez por isso, porque foi devagarinho, aos pouquinhos como tu disse, dai a gente não se dá conta.
O silêncio se fez na cozinha. Com um gesto ele dá a entender que era para Rose pegar a papelada que Ezequiel tinha entregado. Pegou uma caneta, botou os óculos que praticamente nunca usava e com sua mão tremula assinou seu nome e rubricou cada uma das páginas. Soltou a caneta com desdém e Rose recebeu um forte beijo. Assim que ela abriu os olhos percebeu que lágrimas escorriam dos olhos de Ivo. Sua cara estava vermelha. Ele fez com a mão para que ela não visse a cena. Ela conhecendo bem o marido, faz um carinho na cabeça e sobe para o quarto. Fingia dormir quando ele entrou coisa de meia hora depois. A abraçou e dormiram até tarde.
No sábado e no domingo os dois passearam por toda a redondeza. Fazia tanto tempo que não faziam isso que pareciam estar desbravando a vila onde nasceram novamente. Segunda bem cedo, enquanto tomavam o café Ivo joga pesadamente os papéis sobre a mesa:
  • Vá você, porque eu não consigo. Assinei meu atestado de óbito.
  • Não diga isso homem!
  • Quando demolirem a casa para construir uma mansão, na qual eu nunca poderei entrar, tendo um dono que nunca vi, demolirão mais do que o tijolo.
No caminho para a cidade Rose compreendeu tudo que seu marido disse, até porque ele chorava. No caminho percebeu que muita coisa havia acabado, não mudado, mas acabado. Junto com as casas e as pessoas, toda uma vila começava a ser enterrada, e o dolorido era o esquecimento e desprezo por um passado que um dia fora tão belo, “insensíveis”, pensou ela, “e ainda oferecem uma quantia de dinheiro que homem algum pode negar”. Junto com cada tijolo, a lembrança só restava na memória.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013


Talvez eu só queira você, já nem sei, não tenho ideia, a dúvida é o que me toca, me envolve, me faz, me deixa em algum lugar.
Já não tenho mais esperança, de algum dia te encontrar, de ficarmos juntos, beijar.
Sei que o que foi será, nada regressa, nada volta, o que importa é o que está, mesmo que isso me mate, machuque e doa a cada segundo.
Não posso obrigar, não posso nem quero, obrigação nunca foi algo sincero.
Sei que tudo passa e é passível mudar, mas tem coisas que matam e me deixam péssimo, você como ninguém conseguiu chegar lá.
E eu não sei como dizer, nem como falar. Mas tudo bem, você vive ai e eu lá.
Se cada segundo importasse como deve importar, eu nunca te deixaria, talvez tu também nunca iria me deixar.
Coisas mudam com o tempo, o tempo machuca e feridas custam a sarar.
Mas nada disso é novo, sempre posso continuar.
Houve um tempo numa vez, em que a ti tudo pude entregar, por mais que eu experimente, como tu nunca ei de encontrar.
Meu amor é sempre sincero, feito minha dor, não despreze, não ignore, me trate bem embora eu chore.
Rimas pobres, sem sentido... encurralado, perdido...
Você meu bem, será sempre lembrada, por mais que eu finja, ignore ou faça falácia.
O fim é o que mais dói, saber que algo tão belo, não pode mais continuar.
Minha dor afinal, não está na distância, mas no terminar.