quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Meu coração é feito uma granada

Foto de Rodney Smith

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Estas palavras não tem sentido algum enquanto você não os der. Toda minha linguagem não significa nada enquanto você não estiver aberto para ela. Minha pele é asquerosa enquanto ela não arrepia ou aquece a tua no contato. A experiência precisa ser completa. O corpo é minha estética, por isso o uso, experimento, sabendo que o que importa é o momento. Dois segundos ou três, que me aceleram o coração, um beijo ou dois, errados, tortos feito eu. Aprofunde, afunde, deixe entrar a paixão. Amor livre é estar aberto ao amor, amor livre é amar da forma que meu amor me permite, amor livre é poder te abraçar, amor livre é a minha forma de amar. Não importa o que digam, minha autonomia e independência me ajudam, me levam muito mais longe que o medo. Medo de cair, de se jogar, desprender e até de amar. O medo me fez esquecer do amor, do carinho. Seja o de tua pele, seja o de meus amigos, seja trabalhando, carinho. Nunca se deve negar carinho. Ele como a arte são essenciais para a vida. Não faça do mais importante algo vazio, complete, encha até transbordar, sua vida precisa de arte, precisa de ar. O homem não inventa coisas por acaso ou capricho, ele inventa para sobreviver. Arte e amor são mais que mero entretenimento. Estética é mais do que tabelar e reproduzir o que é belo ou feio, estética é minha pele, o arrepio, o frio, o calor, a água do rio que toca, estética é o contato mais intimo que eu tenho com o meu corpo. Meu corpo é a última coisa que me tiram, é o fronte mais difícil e constante da minha vida. É ele que sofre e sabe melhor do que eu o que é o amor, é ele que sente como nada no mundo a arte, ele que dança, que chora, ri e se embebeda. É com ele que eu luto. Luto pela minha liberdade, pela minha estética. Meu coração é feito uma granada.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Pescador sem Mar


Queria colocar uma foto de alguma dessas vilas que existem costa a fora, na preguiça e ausência deixo um Klimt.

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PESCADOR SEM MAR

Era o finalzinho da tarde. O sol já começava a se mostrar laranja. Mesmo com todo o calor que fazia, Rose preparava o café para Ivo, seu esposo. Ela sabia que ele gostava de tomar uma xícara antes do dia acabar. Tão logo Ivo sente o cheiro do café coando, ele vem. Pega nacos de pão e o besunta com a margarina já posta sobre a mesa. Pela porta aberta ele conseguia olhar o mar, estava tão perto que era possível escutá-lo. Assim que Rose serve as duas xícaras de café e senta, chega Ezequiel: “Opa, tudo bem seo Ivo? Tudo bem dona Rose?”. O pescador nem se dá ao trabalho de responder, apenas olha seco. Ezequiel sabia que Ivo não gostava dele. Enquanto sua esposa abria um sorriso, o cumprimentava cordialmente e logo puxava uma cadeira convidando a visita para sentar:
  • Cheguei na hora certa, né dona Rose? Bem na horinha do café! - falava cheio de si enquanto sentava, algo que parece ser importante para um corretor de imóveis.
  • Ah, o cafezinho aqui em casa é sagrado, se não tem café no final do dia o Ivo fica que fica – responde Rose com um largo sorriso nos rosto – Não é mesmo benzinho? - fala ela dando um tapinha de leve no ombro do esposo com a clara intenção de inseri-lo na conversa.
  • Hum – é tudo que ele responde.
Apesar da conversa começar em tom trivial, todos os três sabiam o que Ezequiel queria. De tempos em tempos ele ia conversar com os dois sobre alguma proposta para compra da casa. Ivo e Rose tinham uma casa praticamente de frente para o mar numa pequena vila de pescadores chamada Araçá. Algo que se pode perceber pelos barquinhos amarrados ao longo da estreita orla. Fazia algo como uns cinco anos que a prefeitura da cidade, visando incrementar o forte potencial turístico da cidade, asfaltou a estrada que antes era de terra e colocou placas indicando o caminho para as prainhas que existiam neste trecho da costa do litoral sul. Isto veio acelerar a construção das mansões nessa região, a maior parte dos donos, gente de fora, “forasteiro” como gostava de dizer seo Ivo nas vezes que conversava sobre isso com alguém que simpatizava:
  • Fala logo – disse Ivo quase num sussurro. Ezequiel aprendeu rápido que perder tempo não era bom e logo desembuchou.
  • Eu estive conversando com um sujeito de São Paulo, bem, ele acabou de passar o verão por aqui, perto do carnaval, e viu a sua casa e a do lado. O que ele veio falar comigo foi o seguinte seo Ivo: a do lado, a casa do César tá a venda, tem a plaquinha da minha corretora e tudo mais, como o senhor bem sabe, mas o que ele visualizou pra realizar o sonho dele, como ele me disse, é que ele precisava da sua casa também. Dai ele foi lá no meu escritório, conversou comigo e explicou toda a situação. Ele ficou muito, mas muito interessado mesmo...
  • não – cortou secamente Ivo. Ezequiel já havia conversado outra vez, apesar da quantia em dinheiro ser maior agora que na primeira, o corretor já sabia que não adiantava só falar de dinheiro, também sabia que precisaria usar-se de Rose para convencer o pescador teimoso e regrado que era Ivo.
  • Bem, não vou mentir para o senhor, sei que não é uma decisão fácil, independente do valor a ser pago, lhe dou toda razão neste quesito, toda. Por isso eu vou deixar aqui o contrato para o senhor ler, sei que o seu filho entende bem dessas coisas, assim o senhor pode analisar com calma, conversar com sua família a respeito disso tudo, e eu venho daqui uma semana conversar com vocês mais uma vez, tudo bem seo Ivo? - concluiu ele estendendo a mão para o pescador. Com uma clara falta de vontade Ivo aperta a mão de Ezequiel com a ponta dos dedos, “parece que eu estou segurando uma cobra com a mão”, pensou ele.
Esperto como era, Ezequiel entendeu bem a situação que se apresentava. Terminou de tomar a xícara de café que a matriarca lhe oferecera, fez uma expressão de agrado ao terminar o café, cumprimentou dona Rose e foi embora dando um simples abano por entre a porta.
Como se nada tivesse ocorrido, Rose começava a arrumar a cozinha, preparando para a janta:
  • simpático esse rapaz não? - falava ela de soslaio querendo puxar conversa.
  • Nem tanto, é um interesseiro isso sim - retrucava ele querendo encerrar a conversa. Ocorre uma pausa e ela segue fazendo aqueles comentários típicos de mulher:
  • Fiquei sabendo que a Júlia e o Roberto venderam a casa deles agorinha em janeiro. Parece que em março eles se mudam. Ganharam uma nota preta! Conversei com a Júlia ontem e ela me contou do apartamento novo que eles compraram ali perto do ginásio municipal. Ela vai fazer tudo novo, cozinha nova, banheiro novo com aqueles pias modernas, disse que não quer levar nada do que tem nessa casa aqui, que vai entregar a casa com tudo dentro.
  • Hum – responde Ivo daquele jeito bronco típico dos homens.
  • E parece que vão poder até comprar um carro novo – arrematou Rose enquanto enxugava um prato e seus olhos brilhavam. Ivo olhou o mar pela janela e soltou:
  • Você já ouviu falar em condomínio ou IPVA? - Ela não disse nada. Terminou a louça, sentou na mesa e começou a folhar os papéis deixados sobre a mesa. De forma um pouco rude ele pergunta:
  • O que tu quer ver ai?
  • Nada, só dar uma olhada, até porque metade da casa é minha, direito garantido por lei, então pelo menos metade das coisas e da casa são minhas.
  • Não vais pegar nem um terço do contrato não sabendo ler.
Irritada Rose deixa os papéis na mesa e começa a mexer nos armários e geladeira, nervosa, buscando afazeres da cozinha. Ivo logo percebe que ela estava magoada. Pega os papéis, passa o olho rapidamente pelas páginas, arregala o olho onde estava escrito o valor, olha mais um pouco e deposita a papelada novamente sobre a mesa. Caminha calmamente até Rose, que estava visivelmente irritada. Deposita suas mãos marcadas pelo sol e água salgada nas ancas dela, lhe dá um beijo suave no pescoço e diz calmamente:
  • Dessa vez um vou pensar mais no assunto tá? Eu estive vendo e a grana é mais alta, quem sabe vale a pena, mas isso eu tenho que pensar.
  • Tá bom – responde ela baixinho. Ele dá mais um beijo nas costas dela, aperta as ancas mais forte e fala em tom brincalhão:
  • Em últimos casos tu pode vender a tua metade e eu fico aqui sozinho com os peixes. - Ela ri um pouquinho, se vira, envolve seus braços no pescoço dele e lhe dá um beijo, deixando claro que era isso o que queria ouvir. Ele dá um tapa na bunda dela e vai terminar de preparar seu equipamento de pesca para o outro dia.
§

O sol já começava a pintar o mar. Assim cedo Ivo adentrava a água, sozinho. Já trabalhou com um ajudante e depois com seu filho que agora mora na cidade e trabalha para prefeitura. Até chegou a tentar alguém para lhe ajudar, mas era difícil alguém que já sabia e Ivo não tinha mais muita paciência, por isso preferia ir sozinho pro mar, apesar da aflição de Rose. Ele lembrava de quando era novo e precisava tomar o mar com seu pai. Acordavam cedo, mais do que havia se habituado a acordar agora. Hoje ele olha do seu barquinho para vila e rememora como era antes. Não mais que duas vendas, a escolinha e o trapiche. Agora existem uns cinco mercados, duas lojas de roupas e quatro lojas de quinquilharias que lotam de turistas no verão. Venda? Essa palavra parece já nem existir mais. A escola? Um ônibus vem buscar as crianças agora para estudarem numa escola “mais moderna” no centro. O trapiche ainda está lá, agora é de concreto e tem boa iluminação. Ali do lado, como que uma peça de decoração fica o barco que agora faz passeios turísticos. Antes quase todo mundo vivia da pesca, agora quase metade do pessoal tirava sustendo nos poucos meses de temporada, “trabalho menos e ganho mais”, dizia Timóteo que era o dono do barco de passeio. Ivo achou curioso que conforme se afastava da vila, percebia que ela se afastava cada vez mais do jeito que ela era outrora.
Quando voltou do mar seu filho estava esperando na cozinha. Apesar de Rose estar ali também, o silêncio era reinante. Da mesma forma que Ivo entra na cozinha, Rose some pela casinha pequenita. Caminha ofegante até o filtro de barro e enche um copo com água:
  • Tudo certo pai? - Pergunta seu filho.
  • Sim sim, vai tudo bem.
  • E pegou muito peixe hoje?
  • Peixe já não tento mais desde que você foi morar na cidade, os barcos grandes e os forasteiros pegam tudo que é peixe agora, não sobra muita coisa, você sabe disso.
  • É, sua ideia dos mariscos foi muito boa, não vou dizer que não. - seu pai consente com a cabeça como se quisesse dizer, “eu sei”, ocorre uma breve pausa e seu filho retoma a conversa – Fiquei sabendo agorinha conversando com a mãe que o Ezequiel veio até aqui ontem, parece que tem alguém bem interessado pela casa – Mesmo não tendo estudado muito Ivo nunca foi bobo, sabia que sua esposa já havia conversado com o filho. No minimo cedinho enquanto ele estava no mar, e que eles planejavam tudo nos aproximadamente quinze minutos em que lhe esperava. Além do mais, seu filho não ia até a vila do Araçá por qualquer motivo, “não gosto daqui”, dizia ele toda vez que conversava sobre o lugar. Sabendo de antemão o que o filho queria, ele mostra o papel onde estava escrito o valor, seu filho tem a mesma reação que a do pai quando viu o valor: arregala o olho.
  • Já pensou nisso pai? Com um valor desses nem precisa pensar pra dar resposta alguma!
Sem dizer palavra ele coloca a mão no ombro do seu filho e o chama com um movimento nos dedos. Atravessam a rua, marcam seus pés na areia. O pescador começa a colocar seu barco na água com inigualável habilidade, pede para o filho entrar dentro, o empurra para dentro do mar parecendo ignorar as ondas e começa a remar. Algumas pessoas olham a curiosa cena de um pescador e um sujeito de roupa social no mesmo barco. Ivo rema até uma distância razoável da costa, mas não muito longe. Recolhe os remos e senta-se ao lado de seu filho, olhando o vilarejo:
  • Tu lembra como era isso aqui quando a gente era mais novo?
  • Um pouco não muito.
  • Faz esforço seu preguiçoso – ele aperta os olhos, põe a mão sobre a cabeça e começa a falar:
  • Lembro, mas não muito, tá tudo muito diferente, parece que daqui a pouco não vai mais ser assim, cinco ou dez anos e a cara da vila será toda outra.
  • Tu lembra do Felipe? Sempre brincavas com o filho dele.
  • Sim, lembro sim pai, porque o que que tem?
  • Ele vendeu a casa dele faz uns cinco ou quatro anos, foi morar na cidade. Ganhou uma grana preta, comprou uma casa toda nova, roupas novas e até mesmo um carro. Desde que ele tinha ido embora nunca tinha mais visto ele, mas faz umas cinco semanas eu vi o Felipe quando fui pra cidade. Agora ele está um pouco mal do dinheiro, não consegue emprego e quando consegue não suporta ficar no emprego. Vocês da cidade chamam a gente de vagabundo e burro, mas não entendem que a gente não sabe ficar parado feito vocês. Riem da nossa pele seca do sal do mar, mas ficam o dia todo trancados no ar condicionado, mal percebem o quanto isso seca os olhos e incomoda o pulmão. Adoram vir pra cá olhar a natureza porque fogem do concreto, mas quem concretou o mato onde se vive foram vocês mesmos. É bom que agora não tem mais poeira em casa, mas por causa do asfalto veio mais gente e agora a praia é cheia de lixo. Não bastasse foram comprando as casas de gente como o Felipe ou Roberto, destroem a casa deles e fazem outra. Agora na areia da praia é cheio de caco de tijolo, cimento e azulejo por causa das obras. Só não constroem a casa em cima da areia porque ela é mole. Eu não gosto disso meu filho, isso me desagrada a alma, parece que vocês querem matar a gente, não suportam o jeito que vivemos. E quando não querem matar, ignoram, como se a gente fosse nada.
  • Mas pai – ele enxuga o suor da testa – as coisas mudam, as pessoas mudam, a evolução está ai. Além do mais olha quanta coisa dá pra fazer com esse dinheiro! Se tu quiser dá pra começar um negócio, comprar uma casa nova, um apartamento desses que tem agora no centro. Tu precisa deixar de ser tão conservador.
  • Tu não entende. Minha dor não é a mudança, é o fim de algo tão bonito, não vês que foi nessa vila que constituí minha vida e tu parte da tua? Não te dói perceber que no terreno onde tinha o abacateiro em que brincavas agora tem uma mansão? O Felipe deixava a gente entrar no terreno dele, pegar abacate, tu e teus amigos brincavam lá a tarde inteira. Agora o muro é tão alto que nem daqui eu consigo ver o que tem naquela casa. Além do mais, que sei eu fazer que não viver do mar? Acho também que eu ficaria mal se morasse numa casa sem terra. Uma vez fiquei uma semana no centro de Florianópolis, foi então que eu percebi que não tinha barulho do mar, mas de carro, dormi mal uma semana inteira, a primeira coisa que eu fiz quando voltei foi dormir. Além do mais, tu viu como está o Felipe? Feito peixe fora d'água.
Em silêncio os dois contemplavam o vilarejo. Era cômico a combinação de barcos de pesca e lanchas, casinhas coloridas e desbotadas dos pescadores como que perdidas entre as mansões:
  • Mas tu viu a quantia? Vais negar esse dinheiro todo?
Ivo dá um forte abraço em seu filho envolvendo-lhe o ombro com as mãos. Volta para o remo e os dois voltam em silêncio para casa. Ao chegar dona Rose estava terminando de colocar a mesa. O silêncio dos dois lhe parecia confirmar tanto que estava decidido vender a casa que ela nem percebeu a cara de tristeza estampada na face deles. Comeram em silêncio, os dois com cara fechada e a mãe com sorriso de orelha a orelha.

§

Sexta-feira era o dia do bar. De maneira metódica não bebia a semana inteira ou nos domingos, um pouco sábado, mas a pinga de sexta-feira era sagrada. Conversava com seus amigos pescadores, fizeram chacota com Timóteo porque agora tocava o negócio do passeio turístico, andava “feito um gigolô”, disse Ivo. Riam, pois diziam que andava mais emperequetado que uma quenga. Geralmente Ivo voltava até a meia-noite, mas dona Rose já começava a ficar preocupada porque ele não voltava. Impaciente como estava, assim que deu uma hora da manhã foi até o boteco em que ele habitualmente ia; já estava fechado. Caminhou mais um pouco e foi no seguinte, mesma coisa; fechado. Roendo as unhas caminhou atentamente pela rua da vila esperando ouvir algum barulho de seu marido, que tinha por hábito fazer estardalhaço quando bebia. Rodou e rodou mas não o encontrou. Olhou o trapiche, um barco acabava de chegar carregado de peixe, imaginou que ele estaria lá, conhecia todo mundo e sempre lhe pediam algum palpite. Perguntou e nada. Desistiu conforme voltava para casa. Preparou-se para dormir, janela aberta e ventilador ligado, mas o sono não vinha.
Apesar da aflição a sonolência que começava a lha acometer às três da manhã passada não lhe permitiu escutar Ivo chegar. Ouviu “Rose, Rose meu amor” e deu um pulo. “Rose xuxuzinho”, ecoava em alto tom a voz torta do pescador. Ao chegar na cozinha Ivo já estava sentado, terminando um cigarro, algo que não tinha hábito. Tocando suavemente a coxa convidava sua esposa para sentar em seu colo. Ainda assustada por não entender nada, ela senta. Recebe os habituais beijinhos nas costas, o que lhe acalma, mesmo não gostando do bafo da cachaça. Ele pega nela da maneira habitual de quando bebia e começa a disparar:
  • Lembra da capelinha que ficava a uns trezentos metros daqui?
  • Sim, lembro sim, sempre ia rezar lá com minha mãe. Foi lá que nos conhecemos.
  • Isso mesmo, quando te vi quietinha fingindo rezar teu terço enquanto me olhava de soslaio, me apaixonei. Foi assim que comecei a ir sempre que podia lá na esperança de te ver.
  • Parece que deu certo – responde ela sorrindo.
  • Passei hoje ali na frente, não tem mais a capelinha. Tinha esquecido que aos pouquinhos foram parando de ir nela, que ninguém mais cuidava dela. Agora tem uma igreja de crente. Sabia disso, da igreja e da capelinha, mas só hoje eu me dei conta que esse lugar tão importante já nem existe mais.
  • Talvez por isso, porque foi devagarinho, aos pouquinhos como tu disse, dai a gente não se dá conta.
O silêncio se fez na cozinha. Com um gesto ele dá a entender que era para Rose pegar a papelada que Ezequiel tinha entregado. Pegou uma caneta, botou os óculos que praticamente nunca usava e com sua mão tremula assinou seu nome e rubricou cada uma das páginas. Soltou a caneta com desdém e Rose recebeu um forte beijo. Assim que ela abriu os olhos percebeu que lágrimas escorriam dos olhos de Ivo. Sua cara estava vermelha. Ele fez com a mão para que ela não visse a cena. Ela conhecendo bem o marido, faz um carinho na cabeça e sobe para o quarto. Fingia dormir quando ele entrou coisa de meia hora depois. A abraçou e dormiram até tarde.
No sábado e no domingo os dois passearam por toda a redondeza. Fazia tanto tempo que não faziam isso que pareciam estar desbravando a vila onde nasceram novamente. Segunda bem cedo, enquanto tomavam o café Ivo joga pesadamente os papéis sobre a mesa:
  • Vá você, porque eu não consigo. Assinei meu atestado de óbito.
  • Não diga isso homem!
  • Quando demolirem a casa para construir uma mansão, na qual eu nunca poderei entrar, tendo um dono que nunca vi, demolirão mais do que o tijolo.
No caminho para a cidade Rose compreendeu tudo que seu marido disse, até porque ele chorava. No caminho percebeu que muita coisa havia acabado, não mudado, mas acabado. Junto com as casas e as pessoas, toda uma vila começava a ser enterrada, e o dolorido era o esquecimento e desprezo por um passado que um dia fora tão belo, “insensíveis”, pensou ela, “e ainda oferecem uma quantia de dinheiro que homem algum pode negar”. Junto com cada tijolo, a lembrança só restava na memória.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013


Talvez eu só queira você, já nem sei, não tenho ideia, a dúvida é o que me toca, me envolve, me faz, me deixa em algum lugar.
Já não tenho mais esperança, de algum dia te encontrar, de ficarmos juntos, beijar.
Sei que o que foi será, nada regressa, nada volta, o que importa é o que está, mesmo que isso me mate, machuque e doa a cada segundo.
Não posso obrigar, não posso nem quero, obrigação nunca foi algo sincero.
Sei que tudo passa e é passível mudar, mas tem coisas que matam e me deixam péssimo, você como ninguém conseguiu chegar lá.
E eu não sei como dizer, nem como falar. Mas tudo bem, você vive ai e eu lá.
Se cada segundo importasse como deve importar, eu nunca te deixaria, talvez tu também nunca iria me deixar.
Coisas mudam com o tempo, o tempo machuca e feridas custam a sarar.
Mas nada disso é novo, sempre posso continuar.
Houve um tempo numa vez, em que a ti tudo pude entregar, por mais que eu experimente, como tu nunca ei de encontrar.
Meu amor é sempre sincero, feito minha dor, não despreze, não ignore, me trate bem embora eu chore.
Rimas pobres, sem sentido... encurralado, perdido...
Você meu bem, será sempre lembrada, por mais que eu finja, ignore ou faça falácia.
O fim é o que mais dói, saber que algo tão belo, não pode mais continuar.
Minha dor afinal, não está na distância, mas no terminar.