terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Da alimentação

Edward Hopper, 1942

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Anos atrás o que vinha estampado em destaque junto a embalagem de produtos alimentícios eram as características nutricionais: omega 3; vitaminas A, B, C e outras letras do alfabeto, metais como ferro ou zinco, etc. Você encontrava alguma propriedade nutricional nas embalagens, sempre. Hoje o que está estampado nas embalagens é zero. Zero lactose, zero gordura trans, zero açúcar, zero alguma coisa. A primeira coisa que percebemos é que agora já não se busca suprir seu corpo com o máximo possível de propriedades nutricionais, mas sim evitar o máximo possível de “não-propriedades” - acho que aqui fica claro o quanto eu não entendo nada de nutrição e ciências afins, mas a proposta não é indicar uma alimentação saudável, e sim pensar nossa relação com algo tão cotidiano: comida.
De qualquer forma nossa alimentação é altamente industrializada, sabemos disso, está bem claro pelo menos toda vez que comemos, alguma coisa será industrializada, pelo menos o tempero. Agora outro dado interessante é que precisamos ser convencidos constantemente de que esta alimentação industrial tenha boa qualidade. Primeiro as embalagens não marcavam nada além do produto. Porém houve alguma necessidade para que em algum momento a embalagem possuísse mais do que o produto para te convencer a comprar. Ora, já se sabia que um pacote de bolacha recheada não é tão saudável quanto uma manga, dai a necessidade de camuflar o alimento vendido, indicando bem grande que ele possuía alguma, senão várias – quem sabe até mais do que a referida manga – suprindo assim alguma deficiência nutricional. Sobre isto, vale lembrar dos casos em que alguma vitamina é indicada na embalagem, mas ela não é encontrada dentro da composição dos ingredientes.
O tempo passa, e até nos convenceram de que adquiro algumas propriedades por meio de alimentos industriais. Não minto ao dizer que acredito nisto. Mas o que acontece é que sabemos que junto com as referidas propriedades nutricionais vêm também um monte de porcaria, ou simplesmente desnecessárias. Por isso agora os alimentos industriais precisam indicar não mais alguma pretensa propriedade nutricional, mas sim a ausência de elementos que fazem muito mal ao nosso corpo (quantos pacotes de gordura trans eu já não devo ter comido sem saber?). O que ocorre afinal é que sabemos muito bem da verdade, alimentos industriais não são a melhor saída para uma boa alimentação, por isso esta necessidade de nos convencerem constantemente de que ele vale a pena. De qualquer forma fico pensando em qual será a próxima saída para a produção deste regime de verdade: a de que enfiam goela abaixo alimentos péssimos, porém necessários para manutenção do capitalismo. Será que haverá explicações sociológicas entre o consumo de alimentos industriais e o modo de vida que temos hoje? Muito parecido com as embalagens, antes apenas bonitas, depois indicando algum valor nutricional e agora o oval zero. No mínimo preocupante. Não gosto de indicar caminhos, mas vejo uma ligação entre matadouros e fábricas, plantações de soja (que viram ração pra gado) e escritórios, transgênicos e a “ala cancerígena” do hospital. Gosto de saber o que entra nesse meu corpo.
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