domingo, 15 de dezembro de 2013

História de verão: 1

      

A consciência lhe atacou, “já faz praticamente um ano”, os aniversários afinal, servem para que lembremos. Agora todo aquele passado parecia irreal. Não foi profundo o que ele tivera com ela, mas ele gostou do pouco que aconteceu, foi divertido, foi bom. O frio na barriga é algo que faz a gente continuar vivo. O engraçado é que os dois nunca chegaram se quer a começar algo, não deu tempo, não deu certo, por mais que tudo parecesse indicar para isso. Depois, por milhares de coisas miúdas – e outras nem tanto – qualquer possibilidade de se beijarem de novo se esvaiu, evaporou. Acabou. E como sempre, sem perceber nunca mais se viram, eles que se viam tanto, rocando mensagens, ou conversando no telefone, mesmo com ele odiando conversas no telefone.
Depois de todo este tempo comentou com seu amigo enquanto se perdiam num bar da cidade: “queria falar com ela”, seu amigo pergunta de forma espantada:
  • porquê?
  • Ora, e eu sei lá, queria conversar.
  • Mas sobre o que?
  • Não sei, pedir desculpas.
  • Mas tu fez alguma coisa de errado?
  • Não, nada, e nem ela pra mim.
  • Então porque pedir desculpas?
  • É que eu me sinto um idiota, acho que por isso.
  • Não, o que tu queria era uma desculpa para conversar com ela.
  • É, vai ver é isso mesmo. Sabe que pensando agora o que mais sinto saudade era disso, conversar com ela. Não que fossem horríveis nossos beijos, mas não sinto falta deles.
Certo dia enquanto passava na frente da casa dela pensou em apertar o interfone para ver se ela estava em casa, ponderou o quão bizarro isto seria, o que ele faria? Por fim imaginou que ela poderia entender que ele estava apaixonado por ela, que a amava loucamente, e não queria causar uma impressão errada, como não lembrava o número, seguiu seu caminho em linha reta.
Meses depois a viu na rodiviária, estava cheio pois já era fim de ano, bem entre o natal e o ano novo, um alvoroço tudo aquilo. Seus olhos a haviam visto, mas ela parecia entretida com seus pés balançando no banco. Seu coração disparou, parecia atingido por algo que lhe gelava a coluna. Por fim abaixou a cabeça e fingindo não a ter visto passou próximo a ela. A garota nem o chamou, e ele não sabia se ela fazia o mesmo ou simplesmente não o havia visto. Nunca mais pensou nela.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Do socialismo: hoje

 
Foto de guerrilheiro partisan
Qual o sentido de ser socialista hoje em dia? Como disse Saramago certa vez, “sou socialista de espírito”, e ele prosseguiu afirmando que provavelmente nunca fez tanto sentido ser socialista quanto nos tempos atuais. Ser socialista não significa necessariamente integrar nenhum partido, nem é obrigatório apoiar algum regime. Ser socialista está muito mais ligado a sua inconformação com a pobreza no mundo, mesmo que o mundo tenha deixado faz muito tempo de ser um lugar pobre. Ainda existem pessoas passando fome, e não é pela falta de comida, é pelo não acesso a comida. Muitas vezes por motivos que elas não tem poder de interferir. O Brasil está entre os dez países mais ricos do mundo, e isso não é de hoje apesar de todo o alarde do sexto maior PIB mundial, continuamos morando em favelas, pegando ônibus lotado, enfrentando engarrafamentos, tendo uma dificuldade enorme para coisas simples como usar hospitais, pegar um livro na biblioteca pública, pesquisar no arquivo histórico, passear no parque, tomar um café num Café (igual Paris ou Buenos Aires), ler um livro neste Café ou parque e, o mais preocupante, ir nestes lugares de bicicleta – e não de carro e não num Shopping Center e não gastando muito dinheiro. A pergunta é: estamos mais ricos e melhorou nossa economia, mas melhorou pra quem?
Hoje, mais do que nos tempos de Saint Simon, H. G. Wells ou Fourier, a pobreza é um problema de distribuição mais do que de produção. Riqueza existe, mas ela não chega de uma maneira igualitária para todas as pessoas.
Algum sujeito já deve estar escrevendo GULAG – em caps lock – e me acusando das coisas terríveis que Stálin ou o Khmer vermelho fizeram. Não sou eles, assim como espero que o sujeito que defende o neoliberalismo não seja ou concorde com Pinochet, já que seu regime ditatorial foi um dos primeiros a adotar as premissas da escola de Chicago, nem com os militares que impuseram uma ditadura no Brasil até 1985 com o intuito de nos “salvar do comunismo” e manter capitalismo - mesmo sendo Jango tão capitalista quanto Juscelino, ambos perseguidos pela ditadura. E tão pouco com o regime nada democrático na irmã sulista da Coréia do Norte, a Coréia do Sul, que até pouco tempo adotava uma democracia nada clara ou participativa – porém apoiada pelos EUA. Da mesma forma que você não concorda com a censura na ditadura militar brasileira, eu jamais concordei com a censura na antiga URSS, assim como desprezo o monopólio da imprensa brasileira e o fato de só haver um único jornal em Cuba, controlado pelo governo. Sejamos sinceros, tanto o socialismo quanto o capitalismo já houveram e ainda ocorrem ditaduras em seu nome. Você entende que um católico não precisa concordar com a inquisição para ser católico, e nem tão pouco ele seja um oficial da inquisição ao se declarar católico, por que pensar isso então de um socialista?
Outro ataque comum, que até já rendeu livro pode ser: “mas como assim, você é socialista, porém sempre estudou em colégio particular, tem uma boa casa, vive bem, não pode!”, associando o socialismo (e afins) a pobreza, a miséria, porém é justamente isto que se busca resolver, as mazelas do mundo, acabar com a pobreza, não reproduzi-la. Socialistas, diferente de monges franciscanos, em momento algum fazem voto de pobreza. Por sinal, caso você não saiba a ideia do socialismo é justamente acabar com a pobreza.
Outro ataque comum é pegar elementos pessoais, como se o sujeito é separado, ou fuma maconha. Utilizar este argumento é nada mais do que combater o lado pessoal e não a teoria em si, dizer “socialista é maconheiro” é tão relevante para o socialismo quanto, “capitalistas não dão esmolas” é para o capitalismo. É um argumento tão importante quanto saber a posição sexual favorita, que por mais que você deseje isso, não muda uma linha de qualquer escrito de Plekhanov, por mais que você insista em tentar. No máximo desvia-se o foco para coisas fúteis como o corte de cabelo, o modelo da roupa, a quantidade de água que bebe por dia...
Por mais que se tente demonstrar que experiências como a URSS deram errado, não podemos esquecer que a crise de 1929 não acabou com o ideal capitalista, nem tão pouco a crise recente conseguiu, e ninguém fala que “o capitalismo deu errado”, mas sim que ele se renovou. Assim como o capitalismo não é o mesmo do século XIX o socialismo não é o mesmo que era praticado no século passado. Da mesma forma, problemas e mais problemas continuam existindo no mundo capitalista, por mais que o discurso de “derrota do comunismo” tente esconder e propagar uma visão de paraíso na terra. E assim como o “comunismo nunca foi alcançado”, o capitalismo que temos agora pode deixar Hayek, Mises ou Smith de cabelo em pé! E é tão cheio de contradições quanto qualquer outra teoria que busque entender ou organizar a sociedade.
Outro argumento cansativo é o de que tudo isto seria apenas uma utopia. Bem, quando se pensou a primeira vez em viajar no espaço, também era uma utopia, quando se pensou em um comunicador de voz e imagem, isto também era uma utopia. A cura do câncer ainda é, a cura da AIDS também, porque só a minha utopia não vale? Já tentaram curar a AIDS mas não conseguiram, por isso vamos desistir?1
Como dito no começo, acreditar numa utopia nunca fez tanto sentido. E não temos muitos ataques contundentes contra um ideal que faz tanto sentido as nossas crenças atuais. Acreditamos que deve haver uma distribuição melhor da riqueza, que escolher o que ser da vida dependa de elementos relevantes como seu empenho e não sua condição para pagar seus estudos, que sua cor da pele ou conta bancária não sejam um pré-requisito para ser atendido no hospital, que devido ao seu trabalho você possa ter um lazer e descanso dignos, que a fome deixa de ser uma imposição para tantas pessoas, assim como a desigualdade. O mais absurdo de todos estes males é que temos tecnologia para isso, já pode ser feito, é possível, cabe agora acreditar.

1Cabe ilustrar aqui que acredito que a cura para muitas doenças poderiam ser possíveis, porém acabam não chamando a atenção da indústria farmacêutica.