sábado, 8 de março de 2014

História de verão 3

León Bakst
          Parecia que eu havia desistido de viver naquele verão. Não foi só por causa de ter pego recuperação final pela primeira vez na minha vida, ou pelo fato de que tudo parecia estar dando errado conforme o clima ia esquentando. Meu pai havia perguntado para mim cinco meses atrás se eu realmente gostava de tocar violoncelo, sem pensar respondi que sim. Agora, final de ano nós não iriamos para a praia como de costume e tanto meu pai quanto minha mãe já haviam avisado que eu ficaria sem presente de natal. Como as aulas de violoncelo continuariam, eu havia entendido tudo.
           Óbvio que todo estre drama começou depois que eu havia ido na escola saber a fatídica resposta para a pergunta: “vou repetir de série ou não?”. Lembro que as ruas pareciam estar mais vazias do que o normal, o calor devia estar afastando elas da rua, além disso muita gente já estava indo para o litoral. Eu sempre achava um saco, mas percebia devagarinho que era muito mais prazeroso reclamar de algo que se possui. Além das ruas vazias não dava pra sentir aquele cheiro de almoço sendo feito nas casas. Fui até o local onde era a minha sala, esperei o colega que estava ali dentro conversando com a professora terminar. Ele saiu sério, não me cumprimentou, não éramos chegados. Entrei cabisbaixo, como se meu comportamento naquele momento poderia reaver uma decisão já tomada, sentei na cadeira posta de frente a mesa da professora e assim que minhas nádegas encostaram na madeira ainda quente ela disparou: “Você quer passar de ano?”. Aquelas palavras foram suficientes para me gelar a espinha a tal ponto que minha cabeça mexeu levemente em sinal afirmativo, isto não foi o suficiente, tão logo respondi ela continuou: “Você deveria ter tomado mais cuidado, pegar recuperação assim, sem nunca ter pego nenhuma vez na tua vida Walter. O pior é que já tive alguns alunos meus que aconteceu isso, eram excelentes e depois, começam a brincar e repetem de ano. Mas isso Walter, o resultado que nós temos aqui”, dizia ela enquanto balançava o papel que parecia ser meu boletim com o veredicto, “o resultado que nós temos aqui é trabalho de um ano inteiro está bem?”. Ela me entrega o boletim e antes mesmo que eu pudesse manifestar algo, eu tinha percebido que havia passado de ano. Quando sai pela porta ainda amortecido pela situação a professora soltou, “boas férias”.
          Quando sai do colégio o babaca que não havia me cumprimentado antes foi o primeiro a perguntar, “eai, passou?”. Fiz que sim com a cabeça e continuei andando, não o suportava, pois ele queria se levantar colocando os outros para baixo, provavelmente pediria para ver minhas notas e falaria de alguém que tirou mais do que eu caso esta pessoa não fosse ele. No portão da escola encontrei a Gabriela entrando no pátio, nos cruzamos e ela perguntou sorridente logo após o beijo na bochecha – que nunca antes na minha vida me fora dado por ela – se eu havia passado de ano. Respondi que sim e ela me correspondeu com um sorriso, e tão logo surgiu, ela já foi saber o seu resultado enquanto eu notava pela primeira vez que ela tinha uma beleza ímpar e que talvez por isso eu nunca havia dado muita atenção para Gabriela. Não sei porque, mas tive vontade de esperá-la. Para não bancar o apaixonado, o que eu me recusava por sinal, fui conversar com o purgante para matar tempo. Foi ai que eu tive a genial ideia de fazer com ele o que sempre era feito comigo. Olhei suas notas, todas menores que as minhas, ri dele, critiquei-o, comparei suas notas com a de algum aluno que havia passado direto, para piorar falei de suas roupas, ele usava um boné chamativo, e por isso não era difícil usar seu ponto forte como um ponto fraco.
          No instante que eu vi Gabriela andando pelo pátio, fui falar com ela, pouco me importava sua resposta, só queria ouvir sua voz. Ela, assim como eu, havia passado de ano. Mantendo a conversa fomos saindo da escola, caminhando pela rua vazia, sem vento, apenas o sol nos castigando. Quando paramos na esquina de sua casa eu perguntei: “você também vai ficar aqui este fim de ano?”, e ela respondeu “sim, meus pais só vão poder ir para praia no carnaval”. Disse que seriamos só eu e ela então, ela sorriu, abaixou a cabeça e tremia um pouco, eu como já estava no ápice de minha coragem estava a ponto de desmontar e virar uma pilha de ossos na calçada. Em apenas cinco minutos, desde o beijo na bochecha até aquele momento, eu me apaixonara por ela. Dava para sentir que o nervosismo dela era o mesmo que o meu. Sem mais nem menos ficamos em silêncio, que foi interrompido por um beijo ligeiro de despedida.
          Não queria saber de nada nem de ninguém. Fiquei dois dias pensando em como poderia ser minha vida dali para a frente, as possibilidades eram variadas, desde empresário ou diplomata até traficante ou assaltante de bancos. Não conhecia nenhum traficante que era algo mais do que um imbecil e os bancos tinham tanta segurança que seria uma armadilha assalta-los. Esta brincadeira de supor coisas sobre mim logo cansaram, por isso me entreguei a leitura e a audição de música. Acho que foi naquele verão que conheci bandas como Doors, David Bowie, Sex Pistols, Rolling Stones, Pink Floyd e Mutantes. Como acabei passando muito tempo no computador resolvi contatar Gabriela para saber como as coisas estavam. Acho que de todo o pessoal, apenas eu e ela estávamos na cidade. Quando a chamei, mesmo sendo de madrugada ela me respondeu. Ficamos conversando até duas horas da manhã. Na noite seguinte foi a mesma coisa. Precisei de mais duas noites de conversas sem fim para lhe intimar a fazermos algo no dia seguinte, pela tarde. Inventei que poderíamos passear de bicicleta, que eu conhecia um lugar legal. Contra os avisos de minha mãe por volta de 15:30h eu já estava na mesma esquina onde havíamos nos despedido dias antes, e como o combinado ela estava lá. Sem trocar palavras fomos indo até o local, no caminho passamos na frente do mercado e eu vi o imbecil do qual eu não gostava, ele me viu, olhos nos olhos, nenhum cumprimentou o outro. Aquilo me afligiu, pois logo todos saberiam que Walter e Gabriela pedalavam juntos e minha paciência estava cada vez mais curta. Pouco antes de chegar no lugar me toquei de que as aulas demorariam para começar e que talvez até elas voltarem já não me incomodariam tanto.
          O lugar era um terreno com barro espalhado de maneira a formar alguns relevos, o que era legal para andar de bicicleta, tanto eu quanto Gabriela demos algumas voltas, foi então que ela se cansou e foi se sentar embaixo de uma árvore. Eu percebi que ela estava ali, mas mesmo assim dei mais algumas voltas de bicicleta até parar de frente a ela e dizer: “vamos andar Gabriela”, ela sorrindo me disse que estava cansada e então larguei minha bicicleta e me sentei de seu lado. Trocamos trivialidades sobre o verão, “vai chover hoje”, “acho que chega aos quarenta graus”, até sermos atingidos por um silêncio que eu viria a conhecer muito bem ao longo de minha vida. Nós dois estávamos calados e mexíamos nervosamente nossas mãos. Quando aproximei minha face para falar algo fui recebido por um beijo nervoso em meus lábios. Estranhamente eu esperava por aquilo, e logo retribui o carinho. Ficamos alguns minutos se beijando e depois dei um abraço em Gabriela, com vontade e receio de encostar nela, pois, lhes digo, era meu primeiro beijo. O sorriso parecia começar nas minhas orelhas de tão grande que estava. Ela por sua vez, parecia querer contar alguma sensação que até hoje não sei qual é. Depois daquela tarde voltamos cada um para sua casa e fiquei pensando na tarde maravilhosa que eu tivera – ou melhor, no beijo. Quando convidei Gabriela numa de nossas conversas da madrugada na internet ela havia me dito que não daria pois tinha um compromisso sério, não explicou mais nada e eu evitei pedir por detalhes. Naquela tarde em que as ruas pareciam vazias fui até o mercado buscar leite, e ao sair do lugar vi Gabriela abraçada com o boçal da mesma forma que ela se abraçara comigo um dia antes, entendi então que ele era o compromisso sério.