sexta-feira, 2 de maio de 2014

Medicina e a alternativa

Walentin Aleksandrovitch Serow


Ninguém mais sabia direito o que fazer, o garoto continuava com suas dores fortes no estômago. O médico de confiança da família o examinou, tiraram raio x, endoscopia e nada podia ser identificado pela moderna medicina. Num momento de desespero a mãe pergunta ao médico, “e pode haver alguma solução para tudo isto?”, ele raciocina e muito complacente responde, “não se preocupe, confie na ciência, acharemos alguma solução para o caso de seu filho, ademais não lidamos com algo tão crítico, fique tranquila pois nada indica que ele irá morrer ou algo do tipo”. Isto já era sabido havia muito tempo, para essa resposta não era necessário um médico, por isso a criança desabafa, “mas mãe, essa dorzinha me incomoda”, e este era o problema, o incômodo em sua barriga, dentro de si, que não sossegava.
Quando saem do consultório em direção ao carro, a mãe caminhava determinada, voltam para casa sem dizer nada, pois não havia o que ser dito, afinal a criança não morreria, isto já era claro para todos havia muito tempo. Chegando em casa a mãe telefona para sua mãe, falava com a avó da criança, “Sabes me dizer se ela atende ainda?”, podendo ouvir apenas um lado da linha, algum tempo depois a conversa segue com, “ah, sim, ali do lado do posto de saúde, uma rua depois, sei onde fica”, a conversa seguiu mais um pouco terminando com, “ah, o Roberto não pode saber, ele não acredita nessas coisas”. E não acreditava mesmo. Roberto era formado numa universidade de prestígio, exercendo um cargo de prestígio e muito esforçado e competente, é verdade, mas sua única crença era na ciência e no que ela poderia dizer. É importante frisar que Roberto não faria muito mais que esbravejar caso soubesse, haveria no máximo um discussão entre o casal, mas e o incômodo de tudo isso? Como ficava a criança no meio dos dois gigantes adultos preguejando? Melhor era manter as coisas na surdina mesmo.
O tempo do dia ainda permitia que fossem, mãe e filho entram no carro, o local era um pouco mais à periferia do que onde moravam, algumas casas coloridas e multifacetadas pintavam o morro, ali entre casas de muro alto, outras de muro baixo estava uma casinha de madeira, que parecia estar ali desde o tempo em que soprava o vento. Havia um banquinho onde as pessoas estavam sentadas, como que fazendo fila. Os dois sentam ali e a mãe avisa para esperar, como se restasse alguma escolha para a pobre criança. Sua mãe encontra uma conhecida alguns minutos depois de se sentarem, parecia ser uma amiga de algum tempo atrás, ela também trazia seu filho, as duas compartiam um sorriso de conivência, deixando no ar que faziam algo escondido. Conversaram, cada uma explicando os eventos que as levou até ali, ambas estavam com algo incomodando seu filho, ambas haviam tentado o médico algumas vezes, ambas vinham sem o consentimento de seus maridos, por sinal o marido da amiga da mãe do filho, era casada com um médico irmão do médico de confiança da família, saca? Baixando cada vez mais o tom, a conversa das duas ganhava como pauta o mal-estar das crianças e a discordância dos maridos, chegando ao final num sussurro baixo, em alemão colonial, arrematando o diálogo com ambas balançando a cabeça em gesto afirmativo deixando no ar uma dúvida sobre o que haviam dito. Tão logo esta língua desconhecida era pronunciada, chegava a vez deles.
A mãe vai com seu filho para dentro, o lugar era notadamente mais escuro que o lado de fora, o sol penetrava mais fraco ali dentro daquele quartinho com uma vela acesa num canto próximo a imagem de um santo. A benzedeira toca na testa da criança, sua mão leve vai para a barriga, o que leva a benzedeira a perguntar algo para a mãe que é confirmado por ela com o mesmo movimento assertivo de havia pouco. A passos calmos pega uma linha num canto da sala, cortada habilmente com auxilio da vela. Sussurrando palavras incompreensíveis para a criança, a linha passeia pelo corpo, indo para lugares estratégicos. Depois fazendo movimentos no ar e mantendo seus sussurros, a criança termina sua benzedura. A mãe agradece, deixa um agrado para a benzedeira, que muito maquinalmente dá seus agradecimentos e guarda o dinheiro entregue pela mãe num bolso da roupa.
Sem entender nada do que havia acontecido, a criança volta para casa com sua mãe, o fim da tarde já acontecia. Tomam seu café, ele é liberado para assistir o seu desenho na televisão, toma seu banho e dorme um pouco mais cedo do que o habitual. Para seu pai não fora dito nada, mas parecia que naquela noite ele conseguia dormir mais tranquilo, o incômodo havia sumido junto com o sono.