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Edward Hopper, 1942 |
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Anos atrás o que vinha estampado em destaque junto a embalagem de
produtos alimentícios eram as características nutricionais: omega
3; vitaminas A, B, C e outras letras do alfabeto, metais como ferro
ou zinco, etc. Você encontrava alguma propriedade nutricional nas
embalagens, sempre. Hoje o que está estampado nas embalagens é
zero. Zero lactose, zero gordura trans, zero açúcar, zero alguma
coisa. A primeira coisa que percebemos é que agora já não se busca
suprir seu corpo com o máximo possível de propriedades
nutricionais, mas sim evitar o máximo possível de
“não-propriedades” - acho que aqui fica claro o quanto eu não
entendo nada de nutrição e ciências afins, mas a proposta não é
indicar uma alimentação saudável, e sim pensar nossa relação com
algo tão cotidiano: comida.
De qualquer forma nossa alimentação é altamente industrializada,
sabemos disso, está bem claro pelo menos toda vez que comemos,
alguma coisa será industrializada, pelo menos o tempero. Agora outro
dado interessante é que precisamos ser convencidos constantemente de
que esta alimentação industrial tenha boa qualidade. Primeiro as
embalagens não marcavam nada além do produto. Porém houve alguma
necessidade para que em algum momento a embalagem possuísse mais do
que o produto para te convencer a comprar. Ora, já se sabia que um
pacote de bolacha recheada não é tão saudável quanto uma manga,
dai a necessidade de camuflar o alimento vendido, indicando bem
grande que ele possuía alguma, senão várias – quem sabe até
mais do que a referida manga – suprindo assim alguma deficiência
nutricional. Sobre isto, vale lembrar dos casos em que alguma
vitamina é indicada na embalagem, mas ela não é encontrada dentro
da composição dos ingredientes.
O tempo passa, e até nos convenceram de que adquiro algumas
propriedades por meio de alimentos industriais. Não minto ao dizer
que acredito nisto. Mas o que acontece é que sabemos que junto com
as referidas propriedades nutricionais vêm também um monte de
porcaria, ou simplesmente desnecessárias. Por isso agora os
alimentos industriais precisam indicar não mais alguma pretensa
propriedade nutricional, mas sim a ausência de elementos que fazem
muito mal ao nosso corpo (quantos pacotes de gordura trans eu já não
devo ter comido sem saber?). O que ocorre afinal é que sabemos muito
bem da verdade, alimentos industriais não são a melhor saída para
uma boa alimentação, por isso esta necessidade de nos convencerem
constantemente de que ele vale a pena. De qualquer forma fico
pensando em qual será a próxima saída para a produção deste
regime de verdade: a de que enfiam goela abaixo alimentos péssimos,
porém necessários para manutenção do capitalismo. Será que
haverá explicações sociológicas entre o consumo de alimentos
industriais e o modo de vida que temos hoje? Muito parecido com as
embalagens, antes apenas bonitas, depois indicando algum valor
nutricional e agora o oval zero. No mínimo preocupante. Não gosto
de indicar caminhos, mas vejo uma ligação entre matadouros e
fábricas, plantações de soja (que viram ração pra gado) e
escritórios, transgênicos e a “ala cancerígena” do hospital.
Gosto de saber o que entra nesse meu corpo.
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