domingo, 30 de outubro de 2011

O melhor caminho




     Numa das edições que assitia do programa de Nachbin passagem para, onde ele aborda destinos incomuns e tem a atenção em entrevistar pessoas originárias daquele país que hoje moram no Brasil, e junto com sua reportagem a entrevista feita dá os devidos complementos ao que se assiste, me deparei com uma situação curiosa. Por acaso peguei o programa da sua visita a Mongólia. Para quem não sabe a Mongólia fez parte da URSS, mas hoje tem seu mercado aberto. Num dado momento em que conversavam sobre o regime socialista pelo qual passara o país, depois da tradicional fala sobre a educação, habitação, emprego e todos estes cuidados que havia por parte do Estado surge a tradicional pergunta da qual eu já me perguntava: “E a liberdade de expressão, por exemplo na imprensa, sofria alguma restrição?”. Eu mesmo já pensava nesta pergunta, tema recorrente ao se abordar países que são ou algum dia foram socialistas – não vou entrar aqui na questão do socialismo real e afins. A resposta me foi surpreendente: “Não... não havia nada...”. Bem, pode ser que eles estavam equivocados, pois eu acredito que havia censura, senão isso uma manipulação ou coisa que o valha, como temos na nossa imprensa "livre-democrática". Não tenho dúvidas. Mas a resposta me levou a pensar mais sobriamente algo que já matutava na minha cabeça fazia tempo.
     Geralmente ao se falar do socialismo se traz os ótimos índices sociais da antiga União Soviética ou de Cuba, alfabetização em 99%, sistema de saúde ótimo, população devidamente abrigada e etc. Ora se param por ai todos sairemos tatuando foices e martelos. Mas, logo em seguida se desvela todo um estado policial, que seria algo que viria junto ao “pacote do socialismo” e exclusivo a ele, como a censura, que é ignorada na análise do capitalismo, assim como a não liberdade de se comprar o que quiser, elemento base do capitalismo. O que geralmente acaba se expressando nestas análises rasas (para não dizer tendenciosas) é: “comunismo é bacana, teoria interessante que não funciona na prática, por isso é uma utopia (não crível, coisa de vagabundo, nem vale a pena tentar). Capitalismo é a melhor opção, apesar da grande pobreza do capitalismo, temos a liberdade!”, deixando solto no ar a ideia de que o livre mercado garante a liberdade das pessoas e que a repressão ocorre apenas na medida certa e necessária.
     Antes que me chamem de petista, comunista ou me mandarem para Cuba ou China (se já não o fizeram), pretendo deixar claro de que sim, estes lugares não são paraísos na terra, assim como os EUA ou algum país da União Europeia também não são. Pode ter certeza de que não me agrada a ideia de morar na Coreia do Norte. 
     Temos em 90% das discussões sobre o capitalismo X Comunismo a defesa de um dos lados, que se resumem por fim em EUA e URSS (ainda hoje tem gente falando em URSS com olhos emocionados, seja com lágrimas ou fogo dentro deles). A liberdade do capitalismo se mostra por fim mais ampla que a do socialismo, pois este último é obrigatoriamente ditatorial e opressor. Logo é melhor abrirmos mão de todos aqueles benefícios iluministas e abraçarmos a liberdade do capitalismo, mesmo que esta se restrinja ao mercado.
     O que me desagrada nesta crítica ao socialismo, é a sua potência conformista: “Já temos a liberdade e a democracia, fiquem tranquilos que ela está em boas mãos, nem pensem e exercer estes direitos, a não ser o do livre mercado”; que para boa parte da população se resume a comprar o que quiser, inclusive uma porcaria de plano telefônico que te vendem sem lhe mostrarem contrato algum ou pedir assinatura alguma... se não bastasse sua palavra contra a da operadora nunca vale nada, enquanto a operadora pode até mesmo gravar a tal conversa - agora pede uma cópia e me diga qual a resposta.
     Em resumo esta crítica rasa ao socialismo leva a um conformismo que me incomoda. Gerando a crença de que esta democracia burguesa é a melhor opção. Não por acaso que quando das movimentações populares no mundo árabe, antes de perguntarem a qualquer um deles onde querem chegar, já noticiam que pretendem a democracia ocidental capitalista, e me parece haver uma pressão para isto. Falam do socialismo como impossibilidade devido a suas crises (censura, uma Cuba pobre - que esquecem de dizer: sempre foi um país pobre...), mas eu lhes pergunto como vai a capitalista Nigéria, o capitalista Egito, a capitalista Indonésia? Não temos pobreza, corrupção, fome, censura, ditadura e tudo o mais? E isto justifica a descrença dos neoliberalistas no capitalismo? Alguém já assistiu alguma reportagem de algum país pobre capitalista, associando sua pobreza ao capitalismo? Se ressalta constantemente que durante nosso último período ditatorial (entre 1964-1985) estávamos alinhados ao capitalismo?  Deixo no ar.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Um filme qualquer

Não existem fórmulas para escrever, pois se existissem só precisaríamos jogar as palavras na fórmula e esperar o texto sair. Porém é inegável a existência de lugares comuns nos textos, ou melhor dizendo, roteiros. Especialmente no que diz respeito ao cinema e novelas, mas isto não deve ser novidade para ninguém. Não pretendo ensinar aqui como escrever um texto, até porque acredito que para isso não há nada melhor do que a prática, também não vou entrar no mérito destes lugares darem um desenrolar previsível a história. Vou tentar falar um pouco do que estes lugares comuns acabam reforçando.

Creio que os filmes voltados para, ou com temática adolescente são os menos criativos devido ao seu abuso por lugares comuns. Não importa se o filme tem como ambiência o high school ou a universidade, além de utilizarem atores da mesma faixa etária para ambos, temos uma bipolarização simples entre os “descolados”, bonitos, festeiros e motorizados, geralmente ligados a algum esporte ou fraternidade. Em oposição ao outro lado disto tudo que são os nerds. Bem nada de novo nisto, nem mesmo no fato de algum nerd depois de passar por alguma transformação, igualzinha a que vemos na televisão quando pegam alguém na rua, acaba ficando bonito e se tornando um dos descolados. Além disso antes ele é uma pessoa infeliz e caricata, que novamente igual aos programas de televisão a foto antes da transformação sempre é séria e sem sorriso.

Nos casos em que vão aparecer mulheres sua importância é claramente reduzida a sua aparência, enquanto ela é feia sua atuação é desajeitada e sua existência frustrada, porém após a sua transformação, numa espécie de Frankstein inverso, não só somem o aparelho e os óculos como também os tropeções, perdigotos e diálogo.

Apesar dos roteiros colocarem uma situação de binarismo, oposição entre os dois grupos criando uma pequeno clima de guerra, infelizmente naturalizado. Pois ao final de tudo o que os não descolados desejam é nada menos do que se tornar um descolado, por algum motivo não explicado seus gostos que não passam pela cultura de massa e sua aplicação aos estudos se dá unicamente pelo fato de não serem pessoas bonitas, festeiras e motorizadas. É horrível como é desmerecida qualquer forma de comportamento que não é a das lideres de torcida ou membros de uma famosa fraternidade. Isto se mostra bem com o final feliz, onde o pessoal nerd se torna descolado e o líder perverso dos descolados acaba indo para o lugar dos até então desprezados, não bronzeados e não motorizados nerds, como se houvesse uma hierarquia não escrita mas que todos conseguem ler.

Filmes que acabam reforçando esteriótipos que são buscados de forma doentia. Lembro por exemplo dos meus tempos de escola em que se desejava um time de futebol americano no colégio com direito a líderes de torcida e carteira de motorista aos 16 anos. Antes mesmo de serem testadas as habilidades de cada um, seja como líder de torcida ou atleta, fora dado para cada qual seu papel, que obviamente se dava devido ao papel exercido na escola ou sala de aula, reproduzindo de forma tosca esta pasta base para estes filmes fast-food estadounienses, que de uma forma ou de outra vão acabar refletindo na forma de ser jovem do momento, desde o culto ao carro quando as curvas dos meninos e meninas com mais de 25 anos, feitos com muito silicone e academia. Vemos isto na rua, na internet e até mesmo em piadas, que acabam ganhando seu contorno de neutros devido a entrarem nos recortes do entretenimento que acabam dando como resposta a qualquer crítica, não importa onde, just fun. Reproduzindo ao final toda a desconsideração para aquilo que não seja sexo, bebidas alcoólicas e carros – apoiados em muito desperdício.

domingo, 25 de setembro de 2011

H, M - diálogo



Escolhi esta imagem do Escher devido ao fato de serem dois rostos distintos, de pessoas distintas, cada um matendo sua caracteristica, porém ambos estão interligados. Como este escrivi este diálogo pensando na minha namorada e algumas questões que se abatem sobre nós (edukators) e que vamos buscando lidar com elas constantemente. Imaginei que poderia ser feito um sketch a partir disso, mas nunca mais retomei este texto (nem o re li antes de postar, coisa que geralmente faço).

***

H, M. – 15.julho.2011, 11:23

Homero: Eu não quero casar.
Márcia: nem eu, não precisamos disto.
Homero: é veja meus pais, são casados e vão levando o roteiro de uma novela, a diferença é que quando acontece algum erro não dá para gravar de novo ou reescrever a fala.
Márcia: como se houvesse um roteiro para o ato de amar.
H: Isso mesmo, não tem receita, não é um bolo, nem algo de laboratório que cabe numa fórmula.
M: Igual aquelas pessoas que querem ter uma vida de novela, coisa boba.
H: Isso dá uma importância para a vida delas, nossa, querem mesmo uma vida de novela, igual a personagem daquela peça – e ele aponta para ela com a palma da mão virada para cima esperando uma afirmação, que não tarda a vir, e ela prossegue, efusiva, certeira e firme em seu argumento.
M: nem teremos filhos, nada de filhos.
H: é verdade. Sabia que eu acho meio egocêntrico ter um filho?
M: como assim?
H: Você vai lá, querendo ou não vai colocar tuas expectativas nele, vai influenciá-lo de forma absurda, aos poucos vai construindo uma pequena imagem sua na criança. Acho o cúmulo colocar o mesmo nome no bebê, terminando com Júnior, por exemplo.
M: É como se fosse existir para sempre. Uma constante renovação do mesmo.
H: mas, e se tivermos um filho, que nome colocaríamos nele?
M: como assim?
H: Ora, meus pais me deram este nome, Homero, nome horrível, não dá para fazer isso com uma criança, cometer tal crime, covardia – e levanta as mãos em indignação.
M: olha ai, já começa por ai!
H: como assim?
M: nem estou grávida e já ta querendo colocar nome. Nem apareceu e já está querendo decidir alguma coisa por ele.
H: Não, estava só pensando no nome, sabe como é, começa por ai. Já pelo nome, já começamos escolhendo como ele vai se chamar, depois a escola em que vai estudar, que roupas vai usar. Quero só ver a primeira festa de aniversário, aposto que seria do pequeno príncipe.
M: pequeno príncipe iria ser lindo, e o mais bacana é que dá para fazer tanto para menino quanto para menina.
H: bem, mas não teremos um filho. Não é vontade agora. Eu não quero pelo menos.
M: não nem eu, ainda mais que tem muita gente no planeta, não quero colocar mais alguém, obrigar a vir para cá, nos fazer companhia e satisfazer nosso ego, obrigar ele a nos amar e ele acabar nos obrigando a amá-lo.
H: pelo que me lembro os pais do Brizola ......
M: que?
H: pelo que me lembro os pais do Brizola deixaram ele escolher o nome dele. Daí ele escolheu, Leonel Brizola.
M: Uh! Sai pra lá meu comunista!
H: Não, sério, muito legal isso sabe, deixar a criança escolher o nome. Se bem que...
M: se bem que o que?
H: Quando eu era pequeno adorava o nome Frederico. Tinha até uns três ursos de pelúcia chamados Frederico, Frederico 1, Frederico 2 e Frederico 3.
M: Não seria Frederico I, II e III?
H: é seria, mas como eu era criança não sabia disso, daí era o um, dois três e não primeiro, segundo e terceiro. As vezes eu queria que meu nome fosse Frederico.
M: Imagina se fosse Friedrich, ai sim seria engraçado. Frederico, Friedrich, não são muito melhor que Homero não.
H: Pelo menos poderia me chamar de Fred, e com este nome, Homero, dá pra me chamar de que? Homer? Não né, isso é coisa do Bonner!
M: Ah isso é. Homer não impõe respeito sabe... se bem que tu até tem uma careca.
H: Ah para com isso!
M: Porque tu parou de tomar aquele remédio mesmo?
H: Porque não tava mais dando, era caro.
M: e tava te deixando assim, esquisito, não era tão legal assim né.
H: Tinha que tomar todo dia, e além do mais não quero ser um escravo da vaidade.
M: ah não, não quero que sejamos uma família burguesa, nuclear, classe-média boba, votar no Serra, ser homo fóbico, que quer colocar câmera na cidade toda e vai ver o desfile com sorriso de orelha a orelha conclamando com lágrimas nossa tradição.
H: Não, vamos ser classe média só na parte material, mas não vamos ser tão bobos. Por isso que não vamos casar nem ter filho, muito menos lhe chamar de júnior – e ele levantou o dedo para cima para lhe dar mais razão a fala.
M: Podemos ir até morar em outra cidade, já estou cansada daqui, é úmido, frio demais no inverno, insuportável no verão. Além de todo esse papo que tem aqui.
H: bem que cada cidade tem esse seu papo sabe. Isso não dá para fugir, essa coisa de associar o gentílico a personalidade das pessoas de lá.
M: Por isso vamos morar em vários lugares, nada de um lugar fixo.
H: Isso! Podemos ir para a África, você podia dar aula de francês e eu posso ser professor, ou até mesmo trabalhar como diplomata! Podemos ir primeiro para a Namíbia, lá algumas pessoas também falam o alemão, daí eu posso praticar um pouco. E depois ir para Angola ou Moçambique, não sei, quem sabe São Tomé e Príncipe, que tal?
M: hahahahahaha.
H: que foi?
M: Queres ir para a África fazer o que?
H: Morar lá, falar várias línguas, conhecer outra gente.
M: Parece mais que quer fazer igual aqueles europeus fascistas do século XIX que queriam levar a civilização e o progresso para os outros povos. Ensinar francês, como se a língua deles que eles tem lá já não é boa o suficiente. – os dois ficaram quietos um tempo, refletindo, e ela prosseguiu – além do mais eu nem sei falar francês como é que eu vou ensinar francês?
H: ah isso é, se bem que eu acho que não seria difícil aprender francês, é língua latina sabe, daí aprendemos rápido.
M: tais falando como aquele pessoal que vai viajar para fora e acha que não precisa aprender espanhol porque é uma língua parecida e tudo mais. Por favor né.
H: Yo te quiero!
M: que?
H: Viu como yo sé castellano! – sorria largo enquanto olhava para ela esticando o silêncio.
M: agora isso é fato, filho nós não precisamos ter, nem casar.
H: mas morar junto a gente pode?
M:sim, mas nada de casar, ter filho – interrompido.
H: nem votar no Serra e muito menos ser homo fóbico – interrompido.
M: e tu que não me invente de achar que o carro é uma extensão do teu pinto! – agora ela levanta o dedo para enfatizar a razão.
H: mas eu nem tenho carro, tão pouco dirijo.
Ela fica olhando para ele, sorrindo, escondendo um riso, como quem pensa alguma coisa ao longe.
H: que foi, por que essa cara?
M: achei que tu ia dizer que não tem pinto.
E ele faz cara de quem não achou graça. Ficaram se olhando, enquanto o riso dela ia embora junto com a carranca dele. Juntaram mais o corpo de um junto ao do outro, se olharam carinhosamente, ela fazia um carinho com a mão na nuca dele enquanto lhe dava um beijo. Se olham ternamente.
M: vamos comprar um vinho?
H: de rolha?
M: é um que é fechado com rolha de madeira, que faz aquele barulhinho – e ela simulava que abria uma garrafa de vinho e terminava o teatro dizendo – poc!, assim sabe?
H: Ah minha burguesinha, só tomando vinho chique é?
M: Lembra só somos classe-média na parte material.
H: mas nada de casar, só morar junto.
M: Nem ter filho, só um cachorro.
H: Um cachorro?
M: um não, pelo menos três!
H: Mas não vamos comprar nenhum né?
M: não adotar, além do mais eu gosto mais dos vira-latas.
E os dois vão caminhando abraçados comprar um vinho.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Uma tarde muito boa

Se nunca pus nada de Diego Rivera, ai está.
***

Uma tarde muito boa

Era um dia bonito demais para ser jogado fora. Apesar de todas as coisas que tinha para fazer, coisas tantas que nem conseguia as organizar em sua cabeça, não era um daqueles dias para se ficar trabalhando, especialmente numa tarde tão bonita como aquela. Pela frente haveria um feriado grande, um bom sopro de ar fresco no espírito de toda a gente que não é pago para trabalhar nos dias que as pessoas folgam. Mas nisto tudo já conseguia ver seus professores lhe pressionando de alguma forma:

- mas creio que este não é o caminho certo – dizia o professor.

- sim, concordo, mas pelos motivos que falei anteriormente eu tive esta escolha.

- Bem, alternativas não lhe faltam, porque esta repulsa para com estas pessoas?

- é que, elas... bem, são da minha família, não quero entrevistar ninguém da minha família – e poderia concluir ainda dizendo que no momento não queria entrevistar ninguém.

Mesmo ambos reclamando de muitas coisas e chegando a pontos em comum, pouco poderiam fazer a não ser trabalhar. Mas trabalhar até mesmo num dia bonito como este? Sem falar que nos dias reservados para folga, é difícil fazer um dia tão bonito.

Devido a inúmeras condições, decidiu-se por fim a aproveitar aquela tarde. Pegou uma cadeira e se sentou embaixo de uma árvore no seu quintal, ficou olhando a terra, os musgos colados no tronco. Lembrou do romantismo, Manuel de Barros e de Moçambique, terra de Mia Couto. Havia estudado tantas línguas para descobrir que era apaixonado pelo português, em todos os seus formatos. Olhou mais uma vez, ouvindo o canto dos pássaros, mas não conseguia se acalmar por mais do que dois ou três minutos. Ficava pensando em todas as cosias que tinha que fazer, no seu futuro incerto. Queria ir embora, mas nem sempre a melhor estratégia é fugir. O choro queria brotar de seu peito, mas seus olhos secos não deixavam ele sair. Toda noite queria chorar, pelo desespero que sentia. Seus professores lhe advertindo de quão frágil estavam seus últimos textos, ele reconhecia que não estava lendo os textos pedidos para as aulas, sua professora de Italiano vinha lhe advertindo a respeito de sua decadência, seu dinheiro já tinha acabado e por isso precisava pedir grana para seus pais, sua namorada estava pagando suas cervejas e ainda não conseguira chegar onde ele queria. Isto lhe deixava a ponto de chorar.

Além disto tudo, de todos olhares estranhos por não querer casar, nem ter filhos e tão pouco aprender a dirigir, ficavam sem reação ao ouvir sua resposta para a pergunta: “e o que você quer fazer depois de sua faculdade de sociologia? Ser professor?”, ele ficava pensativo, pois não sabia ao certo o que faria depois da faculdade e estas ajudas financeiras da família deixariam de existir, respondeu confiante ao ponto de ele mesmo se convencer: “Quero ser escritor”. O que afinal de contas faz um escritor? Para começo de conversa, eles não são gênios? Então porque você quer ser escritor seu burro? Vais tão mal no Russo, não faz nada o dia todo – logo escrever é uma desculpa para vagabundear – e ainda por cima escreve mal – e isso não dá para negar. Sua sorte era de que ninguém respondia, ficava apenas num silêncio adornada com caretas. Isto era terrível.

Independente do que qualquer pessoa falasse, do que vale tanta cosia, se um dia tão bonito como este, não podia ser aproveitado. Nem umas poucas horas, sentado embaixo da árvore, esperando Morfeu te cobrir ou que o ser mitológico saxão despeje areia em seus olhos. Nessas horas em que conseguia isto tudo, o aperto em seu peito era pelo medo de se tornar alguém que fica todo o dia acordado, e nada acontece, apenas espera sua morte. É a mesma coisa que ir trabalhar e esperar o final de semana, para beber cerveja e ver televisão.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Olá (conto curto)

Não sei quando foi a última vez que coloquei alguma gravura clichê (Van Gogh, Andy Warhol...). De qualquer forma ai está uma de Roy Lichtenstein.
***

Se encontraram, ele disse:

- oi, quanto tempo, nunca mais nos falamos!

Ela rápida respondeu:

- você nunca mais me procurou.

O que era verdade, e o deixou em um gelo completo. É que ele fazia isso para saber se as pessoas gostavam dele ou não, pois algumas vezes quando ele procurava as pessoas nem sempre dava certo, por isso no geral deixava elas o procurarem. Independente de suas crenças e métodos, não dava para explicar assim, depois de tanto tempo:

- Você está indo para aonde? – perguntou ele com um sorriso grande em seus lábios.

- Vou para casa, acabei de sair do trabalho – ela lhe devolvia desinteressada e sem vontade alguma na fala, para piorar olhava para todo lado que evitasse o rosto do sujeito que se punha de pé frente a ela na calçada da principal rua da cidade.

Seu sorriso continuava ali, mais para disfarçar o embaraço do que para demonstrar alegria em lhe encontrar. Uma vez... na verdade duas ou três eles saíram juntos, se encontraram em um teatro com outros amigos ou no cinema sempre algo assim. Saíram juntos, mas não sozinhos, sempre com alguns amigos. Fora bom conversar entre eles, mas nada demais, apenas era bom conversar.

- Então até logo!

Ambos se curvaram frente ao outro para beijar as bochechas de cada um em gesto de despedida. No ouvido dele conseguiu ouvir um desinteressado; “Até”. Nada mais se passava entre eles, até mesmo o cumprimento já era difícil. Foi então que ele se lembrou de que esta fora a primeira vez que se tocavam em algum lugar que não fossem as mãos, e a primeira vez que ele deixava de lado sua inconsciente frieza e lhe dava um beijo no rosto, gesto tão comum que o espanto era nunca ter feito isto até então.

Cada um seguiu o seu caminho, depois de alguns passos ele olhou para traz e viu ela sumindo na multidão e se percebeu de sua pequenez e da proporção de seus atos.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Há um site de algum arquivo dos estados unidos com um monte de fotos. As vezes minha diversão é procurar arquivos de cidades grandes e fuçar até achar a parte das fotos e ficar olhando elas. Esta é uma da seção da guerra-civil dos EUA.
***

Licenciado

Havia acabado de me formar, como prêmio ganhara uma viagem até Montevidéu, uma semana. Quando voltara meu pai disse:

- Sei de um emprego muito bom para você, não precisa de faculdade e recebe bem, o sujeito era um antigo amigo meu, nós conversamos e ele disse que você deveria conversar com ele.

Esperei dois dias, ouvindo todos os dois dias de que eu deveria ir conversar com o amigo de meu pai. Acordei cedo, pus uma roupa apresentável, calça e uma camiseta pólo, graças a Deus ganhei uma carona até perto do lugar, pois fazia um calor desgraçado. Era uma firma de seguros, entrei na recepção e a secretária olhou para mim e perguntou, “Posso lhe ajudar?”, fui até ela e expliquei que tinha uma hora marcada com Hernandez e que era para avisar que eu era filho do Matias. Ela usava um daqueles microfones-fones de telefonista, igual aquele que aparece na tevê, ela conversa com o Hernandez, cita que eu era filho do Matias e me pede para esperar um pouquinho. Vou até as poltronas e me sento. Havia uma mesa de centro, cheia de revistas, metade era de celebridades e outra metade eram revistas jornalísticas sensacionalistas do ano passado, no meio disso tudo um panfleto do governo a respeito da tuberculose. Você sabia que ela pode ser o mal do século?

Após uns cinco minutos três homens usando calça jeans e camiseta de bancário por dentro da calça saem pela porta maior, um deles se colocava mais adentro e os outros dois mais para fora. O sujeito mais para dentro que eu imaginava ser o Hernandez cumprimenta os dois, “vamos ver isto tudo certinho, que eu te ligo na próxima quarta-feira para fechar o negócio”, os dois sorriram, apertaram as mãos mais uma vez e foram embora. Então o cara que ainda estava na porta diz “pode entrar” e vai para dentro da sala. A secretária me manda entrar sem olhar para mim. Fecho a porta delicadamente, ele faz um sinal para que eu me sente e começa a falar:

- Então tu é o filho do Matias.

- Isso mesmo – respondi.

- Tu não lembra de mim, não tem nem como, mas eu te segurei no colo sabia?

Não sabia o que dizer, então levanto as sobrancelhas para não demonstrar indiferença.

- Não sei se o teu pai falou, mas nós estudamos juntos, só que ele foi para a engenharia e eu resolvi abrir esta seguradora. Ele andou falando comigo que você tinha acabado de terminar sua faculdade de história mas não queres ser professor não é isto?

- É, gosto bastante de história, mas dar aula não é algo que me interessa tanto, queria mesmo era trabalhar com museu ou algum...

Ele me interrompe não me deixando terminar de falar:

- Hoje em dia dar aula não é fácil, essa piazada tá fogo sabe, minha esposa dá aula de vez em quando, ela me conta cada coisa destas pestes, a maioria dá pra ver desde cedo, vai virar tudo marginal.

Estava me preparando para falar algo, quem sabe sobre Paulo Freire, Piaget quem sabe até alguma coisa do Bakunin, citar alguma parte do Vigiar e Punir, mas ele dá um resmungo, olha para o relógio e logo fala:

- Então senhor... como é mesmo o teu nome?

- Henrique.

- Então Sr. Henrique, eu conversei com o teu pai, e tenho uma vaga para corretor de seguro, é um trabalho um pouco puxado, mas menos que o de um professor, uma vez por mês você vai precisar fazer hora extra pois é o mais novo na firma, 8 horas como todo mundo, não vai precisar trabalhar sábado nem domingos e feriados, mas não emendamos feriados. Agora, vou te contar um segredo que deve ficar entre nós dois, como seu pai é meu amigo de longa data, nós conversamos e eu vou te pagar mais que o inicial do resto do pessoal aqui, mas – e olhou para mim bem sério e apontando o dedo – isso você não deve contar para ninguém.

- Sim senhor, eu compreendo perfeitamente.

- Então estamos acertados? – ele estende a mão direita para nos cumprimentarmos.

- Sim senhor – e dou um temeroso aperto de mão, além de me assustar o trabalho numa corretora, Hernandez era um sujeito maior do que eu.

Ele me levou até a porta, “Kátia, podes levar ele pra Janice?” e fechou a porta atrás de mim. A secretária tirou o fone acoplado com microfone veio até mim e fez sinal para eu a seguir. Caminhamos e ela foi mostrando a firma, passamos por um cubículo com pia, fogão e geladeira, “aqui é a nossa cozinha”, andamos mais um pouco, passamos pelo almoxarifado, ela não disse nada, passamos por um biombo enorme, quando chegamos numa porta ela disse, “aqui ficam os corretores e todo o pessoal da parte burocrática”, queria saber o que era toda essa parte burocrática, mas resolvi não perguntar nada, andamos mais um pouco e passamos por uma sala cheia de gente falando e menor do que a outra, “esse é o pessoal do telemarketing”. Caminhamos mais um pouco, Kátia que era a secretária que me atendera antes usava uma calça social justa que marcava sua calcinha o que me fazia olhar para a bunda dela balançando conforme ela andava, o barulho dos saltos se encaixava perfeitamente com os movimentos das nádegas. Subimos as escadas e chegamos numa porta onde estava escrito “RH” numa folha impressa colada na porta, ela bate na porta e abre, o ar-condicionado estava ligado:

- Hum, está fresquinho aqui Janice.

Uma mulher que era uma versão mais gorda e velha de Kátia fecha algo no computador, dá um sorriso, se levanta e responde:

- Estava tão quente que eu resolvi ligar, não dava mais para agüentar!

- É eu sei, o meu lá embaixo está estragado.

- Então quem é este moço – pergunta Janice enquanto colocava sua mão em meu ombro.

- Este é o Henrique, filho de um antigo amigo do Hernandez que vai começar a trabalhar aqui – ela olha para mim com aquela cara que as pedagogas são ensinadas a fazer quando olham uma criança - tu vai ser corretor porque não queres ser professor não é isso? – disse Kátia colocando a mão sob o meu ombro que ainda estava livre.

- Mais o menos, pretendo fazer um mestrado ainda, trabalhar com pesquisa, ou numa editora, algo assim. – tentei explicar para elas como fazia com todas as pessoas.

- Minha irmã é professora há quinze anos, ela me conta cada coisa, são uns animais esses alunos, tem até história de aluno batendo em professor, vê se pode. Na minha época não podia nem responder para o professor que já era motivo para castigo. – Janice estufa o peito e apontando seu dedo para cima criando uma aura de quem está com a razão completa – sabia que eu já apanhei com régua na sala de aula?

Pensei em falar algo a respeito da história da educação e de como isto mudou e porque mudou, talvez algo de Darcy Ribeiro ou um pouco de escola nova, mas apenas arregalei meus olhos demonstrando surpresa.

- Essa molecada não tem mais respeito sabe? Isso pra mim é falta de surra, essas pedagogas ficam falando que não é bem assim, é assim sim! Vê se com a nossa geração não deu certo Janice?

- É mesmo Kátia, meus filhos eu sempre levei ali – e ela fechou a mão fazendo mímica como se estivesse segurando as alças que seguram os burros de uma carroça – ali ó – refutou ela. Mas então – continuou – precisamos resolver a tua situação não é mesmo?

- É, acho que sim – respondi sem saber o que dizer e cansado de levantar as sobrancelhas ou arregalar os olhos.

- Tchau Janice eu tenho que voltar para a recepção, a Patrícia ta de atestado e eu estou sozinha lá, já devo ter perdido umas cinco ligações.

- A gente se fala no almoço – respondeu Janice enquanto ela ia embora.

Janice voltou até sua cadeira de frente para o computador, abriu uma gaveta e tirou um pacote de biscoitinhos da feira, pegou um, deu uma beliscada e me ofereceu, “queres um meu bem?”, “não obrigado, não sinto muita fome de manhã” e ela ficou um pouco menos animada e pareceu se sentir um pouco ofendida:

- Nome completo?

- Henrique Battisti Barros.

- Battis...?

- Bê, Ah, Tê, Tê, Ih, Ésse, Tê, e Ih.

- Battistei?

- Não, desculpa, sem o Ê antes do último Ih.

Ela digita no computador, “ai faz sete anos que mexo nisso e ainda não me adaptei, sou do tempo da maquina de escrever”, e pronto ela digita a última tecla com mais força que havia digitado as outras.

- CPF e RG?

Eu pego minha carteira no bolso e lhe dito os números de cada documento.

- Data de Nascimento?

- 05 de Abril de 1991.

- Teu cargo vai ser como corretor de seguros não é isso?

- Aham, corretor de seguros.

Ela digita durante algum tempo sem falar nada, manda imprimir uma folha a pega e me entrega. Pego ela e Janice aponta meu nome com a ponta da unha do dedo mindinho:

- Com este papel tu já comprova que está trabalhando aqui, nós geralmente damos dois dias para pessoa antes de começar, mas as vezes pode ser mais tempo ou menos, se tu tiver algum diploma de curso ou algo assim, é sempre bom trazer para termos tudo certinho aqui nos arquivos. – E ela termina a frase apoiando os cotovelos sobre a sua mesa e sorrindo para mim.

- Vocês vão me ligar certo? – pergunto.

- Isto, pode deixar que nós vamos te ligar.

Dou um sorriso de volta, digo tchau e volto para casa.

Em casa minha mãe pergunta como foi, respondo que havia conseguido o emprego, então minha mãe conta uma fofoca sobre meu pai e Hernandez, “Eles viviam bebendo quando conheci teu pai” disse ela com um sorriso no canto do rosto enquanto começava a preparar o almoço, “quem diria que agora ele teria esta seguradora, hein? Teu pai sempre foi mais parado, passou no concurso dele para prefeitura e ali ficou” concluiu minha mãe imaginando que meu pai poderia ser um homem com um pouco mais de dinheiro.

*

Quando me ligaram eu estava sentado no quintal observando um sábia andando por entre a grama. Atendi o telefone:

- Oi Henrique aqui é a Janice, lembra de mim?

- Lembro ,da Seguradora – respondi com certa dúvida.

- Então você tem como começar nesta segunda-feira?

- Sim, claro que posso.

- Okay então, estaremos lhe aguardando, o escritório abre as 8Hrs, mas você precisa chegar uns 10 minutinhos antes para eu lhe entregar algumas coisas.

- Tudo certo, até segunda.

- Até, tchau.

Desliguei o telefone, olhei de volta para o quintal e percebi que o sábia não estava mais lá.

*

Meu trabalho como corretor de seguros pode ser resumido da seguinte forma, eu precisava convencer as pessoas de algo que eu não acreditava, estava fazendo algo onde eu me via como hipócrita, pois fazia algo que repugnava. Concordo que meu salário não era dos piores, tão pouco era muita coisa, mas bom para mim que ainda estava morando com meus pais. Dois meses enfiado naquele escritório já estavam me deixando um pouco perturbado, cogitei a ida a um psicólogo ou psiquiatra, mas ao pensar sobre o assunto acabei desistindo, simplesmente pelo fato de que não gostaria de ouvir alguém me dizer qual o meu problema e o que eu devo fazer para resolver o problema criado por mim, fazendo um jogo sacana, onde a minha negação do problema exposto pelo psicólogo só prova o quanto ele está certo. Além do mais o máximo que eles fariam comigo seria aceitar as coisas como elas são, no caso concordar com meu emprego e continuar a fazer algo que está me fazendo mal, crendo que aquilo vai me fazer bem. Porém uma manobra do acaso me coube bem, Roberto um amigo meu que se formara em direito pouco antes d’eu me licenciar trabalhava num escritório de advocacia e sentia-se incomodado com seu emprego, da mesma forma que eu me sentia por isso almoçávamos uma vez pro semana, para conversar, desabafar um pouco. Encontrei ele na praça que ficava na bifurcação da rua onde ficava o meu escritório e o dele, a praça tinha como homenagem o nome de Emílio Garrastazu Médici, um dos generais que receberam o título de presidente nos tempos da ditadura. Nunca vi uma praça com o nome de alguém morto pela ditadura...

Roberto já me esperava, estava de terno, “é a fantasia dos advogados” dizia ele. Fomos procurando lugares para comer no centro, conhecíamos um lugar que era 6,00$ o almoço com direito a um suco amarelo e sobremesa, mas este lugar possuía pouca variedade de comida sem carne. Fomos num Buffet a quilo:

- Sabe uma dúvida que eu sempre tive, o que faz um desembargador? – e enfiei a comida na boca, aguardando a resposta enquanto mastigava a comida.

- Nada – me respondeu Roberto de boca cheia.

- Visse que foi proibido ambulantes e carrocinhas de comida na rua XV?

- Sim eu vi Henrique, fizeram isto sob a justificativa de deixar a cidade mais bonita para aumentar o turismo, fiquei sabendo por um e-mail hoje de manhã.

- É eu também, foi um e-mail da Júlia?

Roberto faz que sim com a cabeça enquanto colocava macarrão na boca.

Ficamos um tempo quietos e soltei:

- Acho que vou largar meu emprego.

- É mesmo, porque?

- Não estou gostando nada dele, tenho que ficar empurrando seguro para as pessoas, fingir que estão fazendo um bom negócio, quando um pouco de probabilidade mostra que não. Como diz o meu pai, se você colocar o dinheiro do seguro numa conta, você faz o seu próprio seguro, pois dificilmente você vai bater feio o carro, por exemplo, e a corretora faz o máximo possível para não pagar o seguro, não sei, me sinto como alguém que ajuda a assaltar as pessoas.

- Já imaginava isto, corretor de seguros não é a sua cara, acho que você um bom professor, depois tu poderia procurar um outro emprego que não seja dar aula, de qualquer forma corretor de seguros é algo que nunca imaginei que você faria – ele põem mais um pouco de comida na boca, e continua – agora essa sensação de explorar as pessoas eu também sinto sabe, mas não exclusivamente pelas que nós atendemos, especialmente porque eu nem vejo o rosto dessas pessoas, mas por sustentar esta máquina que é o sistema judiciário, essa falácia. Olha só para nós advogados, usamos sempre terno pois sabemos que as pessoas tratam melhor quem usa terno, não porque gostamos de usar terno e para piorar somos obrigados a usar “roupas apresentáveis” em tribunais por exemplo – mastigou a comida, bebeu um gole d’água e concluiu – aliás não realizamos discussões jurídicas apenas somos técnicos jurídicos que aplicam leis, em especial os juízes, praticamente seguimos um manual – e Roberto conclui.

Comemos e fomos até a loja de instrumentos, olhamos a vitrine, comentamos sobre a qualidade de algumas marcas e instrumentos, citamos bandas nos comentários e fomos embora, uma hora de almoço não dava para muita coisa.

*

O emprego de corretor logo me cansara, antes do esperado, estava a procurar concursos para dar aulas, havia me rendido a idéia de dar aulas, mas pensava nas aulas como algo necessário a minha profissão, algo que seria como um pé para sustentar melhor minha profissão na área em que eu me formei. Já estava planejando tudo, daria aula e já iria me programar para mais tarde ingressar num mestrado e continuar meus estudos. Neste meio tempo fui relaxando no trabalho a tal ponto que Hernandez havia pedido para conversar comigo. Ele havia pedido para almoçar comigo mas, graças ao acaso ele acabou deixando para depois do almoço. Entrei na sala de Hernandez juntos, havíamos nos encontrado próximo ao escritório, então fomos caminhando juntos:

- Precisava conversar com você Henrique, pois andei recebendo reclamações de que você não vem cumprindo suas metas.

- Sim, o Almeida já havia me chamado atenção uma semana atrás, vou procurar evitar isto novamente – respondi num tom robótico e me comecei a me levantar para ir embora, mas Hernandez apoiou sua mão sobre o meu ombro e continuou:

- Entenda que pedi para falar com você pessoalmente devido a amizade existente entre eu e seu pai, não quero que me veja únicamente como patrão, pois estou aqui para lhe ajudar também, entendo que você tem sua paixão e fez sua faculdade, quando tu necessitou de uma ajuda para conseguir um emprego mais sério, estive aqui e lhe favoreci devido a proximidade entre eu e seu pai que acaba nos dando certo vinculo – concluiu Hernandez dando um aperto em meu ombro.

- Sim Sr. Hernandez, sito eu compreendo perfeitamente e pode ter certeza de que não pretendo deixar de retribuir...

- Sei que – interrompeu Hernandez – nesta idade nos pensamos várias coisas, as incertezas e certezas que temos, eu também tive as minhas e já fui jovem, mas não esqueça que esta passagem para a vida adulta pode ser dura, chata e contrária ao que havíamos planejado, mas é algo necessário do qual não temos como escapar – Hernandez arregalou os olhos fazendo um gesto de compreensão – precisando conversar não esqueça que eu estou aqui – encerrou Hernandez conduzindo Henrique até a porta, ele saiu e foi andando até sua escrivaninha.

“Precisando alguém para conversar” como se ele desse bola mesmo, faz isto que faz apenas por convenção social, bancar o bacana e paternal, mas isto não me agrada. Estava decidido a largar o emprego na corretora antes mesmo até de conseguir outro emprego.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Mesmo depois de tanto tempo

Isto é Escher, não entendo nada de arte visual, mas adoro seus desenhos.

*

Mesmo depois de tanto tempo

Simplesmente não dá para entender, como depois de tanto tempo juntos, ele ainda sentir tudo aquilo por ela. Por vezes, ver ela no dia seguinte era como vê-la pela primeira vez. E agora era uma destas vezes. Ele a abraçou, sentiu o corpo quente dela tocando o seu corpo frio. Se beijaram, o gosto de pasta de dente vinha da boca dos dois, que mesmo depois de tanto tempo ainda se importavam com estes detalhes. É verdade que era apenas no primeiro dia, depois tomavam banho para ficarem mais juntos pouco ligando para a dita higiene.

Ela tinha um corpo bom, muito bonita, rosto bonito, delicado, era esperta, mais do que ele até, por isso conseguiam conversar bastante, isso era uma das melhores coisas entre eles. Algumas vezes, lembrava dos primeiros amores que fizeram, do frio na barriga, que é um frio gostoso, da mão dela pegando com força, da carne esmagada por entre os dedos, o bico do peito na ponta dos seus lábios. Mesmo depois de tanto tempo, dava para sentir aquela sensação estranha, mas muito prazerosa.

Se conheceram como tinha que ser, pelo acaso, não há explicação, pois talvez depois nunca mais iriam se encontrar, talvez ainda se encontrariam muito, e não ocorresse nada demais. Ele nem sabe como fora acontecer, ela diz o mesmo quando conversam sobre isso. O acaso não fez tudo pelo amor, talvez o uso simples de uma palavra como “clichê” e entendida por ela e seus amigos conectou o que eles mais precisavam, aquilo que não sabemos o que é e alguns falam de espírito ou signo, outros de intelecto, mas nada disso chega nem perto ou explica. Mas não aquele intelecto racional, que aprendemos numa escola, mas aquele intelecto que é o pensar e gostar dos dois. Coisas in-comuns, uma troca constante de amores e gostos (da boca, do filme, da perna, do seio, dos livros, da música, dos dias, do pé, da bunda, dos pássaros, dos copos, da comida, do sexo).

É assim que mesmo depois de tanto tempo, o coração ainda consegue bater, tão bem quanto sempre. O estomago ainda responde por eles, a cabeça ainda sonha com ela. Vontade de fazer na praia, no chão, na banheira. Comer uma massa regada ao vinho, sentir remorso, mas bem pouco, por ter feito algo tão burguês como comprar um vinho que vem numa garrafa fechada com rolha – e não falo de um garrafão. Isso tão pouco lhes cortou aquele vinculo com o passado das bebidas baratas, da cachaça, da vodca e do garrafão, da praça, do tesão, do rock, da festa, dos amigos, do dinheiro (que sim, ainda era pouco, porém um é muito mais do que nada).

Ele gostava tanto dela, que fazia coisas que já não gostava tanto, exceto por ela. Coisas como versinhos, como o amor daquele romantismo alemão, que põem a mulher numa posição machista. Mas é o que a sua cultura lhe marcou, a de pensar de certas formas. Mas conseguem construir seu romantismo a sua maneira, se trocam e completam.

Enfim nada lhes impedia de sentir tudo aquilo que se sente no começo, mesmo depois de tanto tempo.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Desconexo - poema (?)

Esta é uma foto de uma colagem feita numa parte de uma parede da minha casa. Antes de ser reformada a parede e esta "instalação" ser extinta para sempre, tirei uma foto, olhando bem (ou só olhando mesmo) dá para perceber como a parte colorida já está desbotada.
***


DESCONEXO

Dizem que sou desconexo
dizem que sou incerto
só porque não uso o meio
nem o fim
me entendem ao reverso
só por não jogar esse jogo

me diga quando a terra começa
depois me diga sobre seu fim
tudo inventado
não gosto do todo
só de partes
só gosto de um pouco
mas não do começo, do meio e do fim

essa ideia do nexo
me deixa perdido
essa coisa do certo
me deixa ofendido

porque amar só de um jeito
porque um jeito
é jeito de amar?
meu coração não bate sempre igual
então porque é assim que devo escrever

troco a lógica por um coração
troco o nexo por um pensamento
que não sei onde começa
que não sei onde termina
troco o sentido pela paixão

dispenso seu jeito
pois o meu é mais bom
renego a gramática
ao falar da língua

não quero esse nexo
nem coca-cola
não adianta, não dá
como suportas
esta unica forma de pensar?
26/04/2011 - 23:46

terça-feira, 19 de abril de 2011

Complicações e Explanações

Aqui um pouquinho de Mondrian. E um texto que não pretende chegar a muitos lugares
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Complicações e explanações

“Moço, acorda moço”, dizia uma mulher enquanto o chacoalhava. Havia cochilado, estava com sono por isso entrara numa sala vazia da universidade, fez uma cama com as cadeiras e começou a ler “O discurso filosófico da modernidade” de Jürgen Habermas. Se tinha lido duas páginas era muito, pois logo dormira. Se levanta, sem dizer palavra alguma, “ei, não pode dormir na sala não”, dizia ela enquanto varia o lugar. Olhou para ela, pegou seu livro, olhou as horas e saiu, tinha um compromisso e seu celular já iria despertar. Antes de mais nada, entrar naquela sala de propósito, queria dormir mesmo. Tinha trabalho a fazer, apesar de desempregado.

Ele e um amigo seu queriam desenvolver um método mais filosófico para o português, provando que não é a língua necessariamente que condiciona uma filosofia:

- Você já viu que usamos o verbo Ser para afirmar algo?

- Como assim, não lhe compreendo... – respondeu seu amigo.

- Veja só, se eu te perguntar se algo pode ser assim, de tal forma e você concordar não há uma chance enorme de você dizer “é”.

- Claro, o “é” significa o verbo Ser. Mas qual a relevância disso tudo?

- Bem podemos pegar um exemplo, no alemão se diria: Das leben macht schwer, enquanto no português do Brasil dizemos que: a vida é difícil. Em uma língua temos a vida como se fazendo difícil e noutro temos a vida como algo difícil, a diferença entre algo se fazer e outro algo Ser, traz suas implicações.

Eles logo mudaram de assunto, pois seu domínio lingüístico era fraco demais para uma divagação mais profunda. Como bons universitários, assistiram suas aulas. Ao término delas ele foi para a casa de sua namorada, ela lhe esperava. A cabeça dele estava naquilo que podemos chamar de conturbada, quando não estava lendo estava pensando, estava escrevendo, estava aprendendo alemão por conta própria. Ele e sua namorada se davam bem, conseguiam conversar bastante:

- Sabes de uma coisa que eu fico pensando meu amor? – falava ele para ela enquanto estavam sentados na sacada do apartamento tomando um pouco de chimarrão e esperando começar algum filme no canal educativo. – Quantas pessoas estudam o alemão pelos mesmos motivos que eu?

- Como assim, por causa da questão da língua?

- Também, mas se não fossem personalidades como Benjamin, Nietzsche, Marx, Freud e em especial Heidegger, não sei se eu estudaria o alemão. Poderia estudar russo, pois adoro Dostoievski.

- Kafka também era de língua alemã, apesar de tcheco. Eu gosto do Kafka. Sabias que lembrei de ti quando li carta ao pai?

- é mesmo, porque?

- Não sei porque, mas lembrei de você. Creio que todos tem uma relação esquisita com seus pais, mas você tem uma mais que a minha, talvez por isso a carta do Kafka me lembre mais você.

- Sabes onde eu mais me encontro atualmente? – Perguntava ele enquanto enchia a cuia com água quente.

- Onde? Em Kafka ou no Fíodor? – Chamavam Dostoievski pelo primeiro nome na intimidade deles, pois achavam Fíodor um nome legal.

- Na literatura japonesa.

- Sim, mas quantos livros japoneses você já leu? – perguntou ela que era mais esperta e tinha um pensamento mais aguçado que ele.

- Eu sei, foram poucos, dois do Kawabata e um de Mishima. É pouco, mas por isso eu gosto menos, ou por isso me identifico menos?

- é, não gosto de gente, em geral fãs de banda que se você não tem a discografia completa, você não gosta da banda.

- Agora, eu acredito que boa parte dos meus colegas estudam o alemão por alguma admiração ao NSDAP ou por que engolem esse turismo daqui.

- Falando nisto, fiquei sabendo que agora os latões de lixo serão em estilo típico. E tem uma escola municipal que está sendo pintada em estilo típico também.

- Será que eles sabem que tem coisas na Alemanha que não seja chope ou nazistas? Por isso gosto tanto de falar do Baader-meinhof, choca as pessoas saberem que na Alemanha existiu um grupo terrorista marxista-leninista.

- falando nisso esses dias alguém explodiu um caixa eletrônico e conseguiu roubar o dinheiro.

Como ele estava precisando de dinheiro, achou a idéia interessante, mas algo o impedia de fazer isso, e não estou falando apenas de vontade ou moral. Ficou quieto enquanto chupava a água quente, pensativo, olhando para o céu escuro onde não podiam ver as estrelas por causa das luzes da cidade e para sua namorada, que tanto amava:

- Quando vamos embora? – ela perguntou, pois sempre falavam nisto.

- Eu queria ir agora, mas fico num impasse enorme, pois estou no último ano da minha faculdade, é melhor largar tudo com um diploma na mão. Infelizmente vou me curvar a isto, por mais que eu discorde e tenha inúmeras opiniões.

- Deveríamos ter ido antes de você estar tão longe na sua faculdade, assim nos prendíamos menos, assim seriamos menos parados.

O filme iria começar, era um filme iraniano, que atualmente estavam na moda. Após assistirem o filme ele pensou em ir para algum país árabe. Ela não queria, pois a língua era difícil e não se sentia atraída pelo deserto. Nisto eles discordavam, por isto se davam tão bem.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Fim de Tarde (conto)

Pintura da portuguesa Maria Helena Vieira da Silva
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FIM DE TARDE

Você está pronto? Ficava a me perguntar, dentro de minha cabeça, este eco “estou pronto! Estou pronto?”, sem saber se era sim ou não. Dois amigos meus foram até as pedras da praias, era o final da tarde e dava para sentir todo o calor irradiando do chão. Éramos eu, Antônio e um parente holandês dele. Nossa pele branca pintada de vermelho, os cabelos claros, porém não loiros, isto somado ao corpo forte de Antônio e seu primo. Diziam eles que as pedras sempre eram o melhor lugar para fumar, que era confortável ali. Pulamos pelas pedras até um canto isolado d’onde se via toda a praia, dali a água era limpa e sem esgoto, lá dava para ver toda a sujeira. Uma vez tinha visto uma foto dos anos 1950 daquela praia, lembrar dela faz o coração doer, o passado muitas vezes se faz esquecer. O primo de Antônio bolou, tinha trazido um papel da Holanda, lá é liberado. Enquanto os dois esmugavam e preparavam o cigarro, eu tirei minha camiseta e a deitei sobre a pedra quente e apoiei minhas costas sobre ela. Dava para ver os barcos passando, ouvir os carros passando na rodovia ali perto, mas mesmo assim graças a uma mata entre as pedras e a estrada, nos sentíamos seguros ali.

- é mas o problema de ser liberado é que vai começar uma sujeira desgraçada. – defendia Antônio.

- mas acaba com o tráfico nas favelas – dizia seu primo com dificuldade.

- talvez o melhor ainda seja plantar mesmo, por isso to com um pezinho lá em casa – e Antônio ria enquanto terminava de esmugar.

O primo de Antônio acendeu, puxou, prendeu, puxou e passou. Foi feito o ritual até acabar todo o cigarro. Comecei a falar sobre história, sobre os navios portugueses e espanhóis que passavam por ali, no meio da fala parei e falei “olha ali uma fragata”, e apontei para o céu. Eles começaram a rir, eu também ria e quando terminamos de rir disse, “efeito manada”, e ficaram a rir mais um bocado. Ficamos a falar e rir, dava para ver o sol pintando o mar de um vermelho cor laranja. O primo de Antônio dizia que uma vez fora para Portugal e via o nascer do sol no Atlântico e agora via o por do sol no atlântico.

Pegamos a trilha de volta e caminhamos até a casa, no caminho passou um carro da polícia e diminuiu a velocidade, mas logo aumentou e foi embora. Chegando em casa comemos o resto do pão que ali tinha. O sol já tinha ido dormir, eram quase nove horas da noite, este fora mais um fim de tarde.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Os Donos da Terra

O clássico Rugendas, que todo livro didático de história do Brasil traz (ao lado de Debret).
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OS DONOS DA TERRA


Eu, meu irmão e mais três amigos havíamos saído de casa para ir procurar um pouco de comida na mata. Vivíamos no meio da selva. Caminhamos um bom tempo até uma clareira que não existia da última vez que havíamos estado próximos do grande rio, e para nossa maior surpresa ainda, esta clareira estava cheia de comida, toda ela agrupada ali, igual a quando plantávamos mandioca.

- Vamos pegar, vamos aproveitar e levar bastante para não termos que caminhar tudo isto de volta pela mata.

Fomos pegando o que podíamos. Ouvi um barulho como o de um porco do mato. Havia deixado o que eu colhi separado num canto e avisei que logo voltaria. Caminhei a passos seguros atrás deste barulho, era um porco do mato. Berrei de felicidade, com aquele porco teríamos comida o suficiente por bastante tempo. Logo que eu berro escuto um estouro repentino, “bum” e uma voz de uma pessoa que grunhia em vez de falar. Voltei correndo para meu irmão e nossos dois amigos, vi meus amigos escondidos no mato:

- Cuidado, cuidado!

Não sabia do que falavam. Ouvi o estouro novamente, ele vinha das minhas costas. Olhei para trás e só ouvia o barulho de uma voz humana que não dizia palavra alguma, olhei para frente e vi meu irmão caído, com sangue na mão, não sabíamos como, mas saia sangue de seu braço. Meu irmão estava no chão tentando se esconder por trás de todas aquelas plantas com comida, nossos amigos nos chamaram para irmos embora, ajudei meu irmão a se levantar e corremos mato adentro. Corremos como loucos e logo deixamos de ouvir os estouros e a voz raivosa.

Chegando em casa começamos a contar aos berros para todos o que havia acontecido, tentamos falar todos ao mesmo tempo, e as mulheres berravam e corriam atrás de algo para ajudar meu irmão pois seu braço estava sangrando. Deixamos para lá o que havia acontecido e fomos cuidar definitivamente de meu irmão. Seu braço sangrava. Ficamos o dia todo a cuidar de meu irmão, rezamos por ele e o deixamos descansar.

Após algum tempo seu braço já estava bom, porém um tanto inchado, isso preocupava a mim e meu irmão. Neste meio tempo outro grupo havia ido mato adentro procurando comida e quando voltaram havia um a menos. Passou-se uma situação igual só que segundo contaram, um de nosso grupo havia se machucado na barriga e não conseguiram buscá-lo, pois sempre que chegavam perto dele o estouro se fazia presente novamente. Reunimos-nos e acabamos decidindo que deveríamos organizar um grupo e nos vingar da morte de nosso amigo. Minha esposa e filha me ajudaram a me preparar para a batalha, as esposas ajudaram seus maridos. Armamos-nos e fomos até a clareira onde haviam matado nosso amigo. Uma das pessoas que estava no dia do assassinato disse que a voz que não se podia entender vinha de uma casa. Chegando no local ele nos mostrou a casa. Cercamos o lugar e gritamos para que quem estivesse ali dentro saísse e viesse falar conosco. Não demorou muito saiu um homem feio e com pelos na cara berrando algo que não passavam de berros. Perguntávamos porque ele havia matado nosso amigo e onde ele estava, mas ele fez o barulho novamente. Não nos assustamos, apenas ficamos mais raivosos do que já estávamos e nós pusemos a atacá-lo. Tão logo ele estava morto entramos em sua casa e encontramos sua mulher, que não falava palavra alguma como gente, ficava apenas falando alto. Não fizemos nada a ela. Era uma mulher. Então fomos embora tristes, pois nosso amigo estava morto e uma nova morte não o traria de volta.