Algumas preocupações minhas são constantes. Desde que tomei um
contato mínimo sobre o que seria a biopolítica, comecei a me
interessar pela palavra vida. Dei um novo significado para
além do papo usual de autoajuda. Também é válido colocar que é
um celebrar da vida diferente do que há estampado muitas vezes em
propagandas de casas noturnas, onde palavras como vida e liberdade
são usadas. Durante um tempo o grande motor da semana era toda
preparação e expectativa para as festas. Logo elas começaram a se
esvaziar, deixaram de ser o grande lugar de experiência estética.
Olhar a grama do quintal crescer cansa depois de um tempo. As metas
do trabalho logo se mostram repetitivas e mais cansativas que a grama
do quintal crescendo. Assim sendo, cair na típica reflexão do
“sentido da vida”, é um dos lugares comuns que nós modernos
temos. Todo um existencialismo1
e reflexão parecem importantes, filmes onde a morte é a temática
chave, o Nietzsche que você pode comprar em qualquer banquinha,
Albert Camus, pós-punk, jazz e músicas de Bach ajudam a superar
momentos de crise. E a crise leva a transformação.
Ao pensarmos no sentido da vida, normalmente elencamos as coisas mais
banais possíveis: café, beber, sexo, comer, ler e tantas coisas
quanto nossa procrastinação permitir. Entretanto não é o café
que dá sabor a minha vida, mesmo mexendo com meu estômago e corpo,
muitas vezes ele é cansativo, dá dor de cabeça e mal estar. E
todas estas coisas ditas acima podem cair no mesmo círculo vicioso
que o café (ou chimarrão) me proporcionam. Logo se descobre que não
são coisas que dão o sabor desejado, mas as experiências, as
sensações. Poder experienciar o corpo, sentir que ele está vivo.
Isso acaba sendo o que importa, não são o sexo, o café ou ver a
grama crescer, mas se estes elementos me levam a experienciar e
aproveitar sensações, então sim, utilizarei eles.
O que ocorre é que nossa crise gira em torno da vida, desejamos
viver. Com o desenvolvimento da medicina resolvemos uma série de
problemas biológicos. Após a segunda guerra o mundo alcançou uma
grande paz, apesar de muita coisa ainda rolar por aí, a ameaça das
hordas famintas que eram uma constante durante a Idade Média ou dos
bombardeios terríveis que atingiram boa parte da Europa, já não
existem mais. São poucas situações em que nossa vida é posta a
prova, apesar de ainda existir riscos. Imagino que durante tais
períodos medievais era necessário afirmar sua vida constantemente,
já que o risco de morrer (peste, guerra, hordas, brigas...) era
muito mais intenso. A violência estava ali como uma prova de sua
vontade por viver. Perguntar sobre o sentido de sua vida quando ela
está sob constante provação é no mínimo cômico. E aqui é bom
advertir dos riscos pela saudade do passado, pelo esforço de
retornar a tempos supostamente mais áureos.
Dai uma repetição e insistência minha em analisar nossa maneira de
viver, e provocações por uma estética2
da vida (ou da existência). Por isso um desejo por re-cidade, mas
não refazê-la, muito mais dominá-la com vida feito o capim
crescendo nas frestas da estrutura, nos espaços livres entre os
blocos do paralelepípedo. Fazer dos lugares em que vivemos algo mais
do que aço e concreto. Talvez algo demasiado egoísta, por não
prezar muito mais do que o prazer sensorial de minha pele arrepiada e
meu estômago nervoso, mas em grande medida a opressão sobre mim não
é o prato de comida que me falta na mesa, mas sim uma falta de sabor
no viver. Meu corpo ninguém me tira, por mais que usem e marquem
esta carne, ainda não podem me privar do corpo, por isso eu uso,
abuso e experiencio o quanto for possível. É o grito que não posso
dar enquanto sento no escritório.
Talvez isso ajude a pensar e entender a afirmação de que meu corpo
é meu templo, e talvez apagar uma série de moralismos muito mais
ligados a nossa história recente que qualquer outra coisa. Também
acredito que ajuda a entender que queremos e precisamos de algo mais
do que: casa, comida, aquecimento, água... Apaixonar-se, ter amigos,
ir em festas e a arte estão ai indicando que nos importa mais do que
não passar fome. E esta coisa é invisível, e o elo mais próximo
acaba sendo a pele. E é ali que eu me arrepio, é nesta superfície
que posso encontrar o mais profundo.
1Coloco
isto na expectativa de buscar um sentido mais coloquial do termo,
podendo ser possível traduzir como um perguntar-se de sua
existẽncia.
2Estética
aqui é algo mais do que a usual “beleza”, mas está intimamente
ligado ao belo, que é mais do que imagem.
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