sábado, 22 de dezembro de 2012

Perfume, Parfum

Degas

***


Havia um costume comum na cidade que levava as pessoas a não saírem de casa em dias de chuva, exceto se fosse para trabalhar. Ele caminhava pela rua, como trabalhava não havia desculpas para não sair de casa. A principal rua da cidade estava vazia, poucas pessoas caminhando, assim como poucas lojas abertas, o que colaborava para a desertidão da rua. A pouco mais de vinte metros vinha caminhando alguém de silhueta familiar, cada passo o ajudava a identificar quem era. Percebeu que ela lhe olhava fixo de tal forma que demonstrava lhe reconhecer. Deixou soltar um sorriso, retribuído por ela, pelo encanto do acontecido. Viviam se cruzando pela rua, ambos sempre estavam caminhando pela cidade fazendo as coisas mais variadas. Não bastasse apenas isto, iam várias vezes para as mesmas festas. De tanto se cruzarem já estavam familiarizados, em alguma medida, um com a silhueta do outro. Para completar, nos últimos tempos os vínculos de amizade se tornavam cada vez mais próximos. Roberto simplesmente não sabia se ela o notava. Ele gostaria mesmo era poder adivinhar o que passava naquela cabeça.
Seu sorriso se manteve no rosto pois ela lhe retribuiu, caminharam até um de frente ao outro e se cumprimentaram, não somente com o tradicional beijo no rosto, mas sim também com um abraço caloroso. Não sei o que pode parecer, mas nesta cidade as pessoas tem por hábito não se tocarem, exceto se desejam algum tipo de intimidade. Neste abraço caloroso, claramente intencionado por ela, ele pode sentir seu cheiro. Certamente ela havia tomado banho havia pouco tempo, além de parecer limpa estava cheirosa. O cheiro estava forte, mas não se fazia incomodo. Quem primeiro falou algo foi ela, já que Roberto, nosso herói pouco heroico, era muito tanso, apesar de inteligente e boa pessoa. Um certo amigo seu o chamava de Michkín, devido a controversa personalidade de Roberto:
  • O que estás fazendo? - indagou ela a Roberto, ainda mantendo o sorriso no rosto.
  • Estou trabalhando, e você? - respondeu ele após certa demora, pois estava um pouco hipnotizado pelo cheiro dela.
  • Acabei de vir do cursinho, e agora estou indo para casa.
  • Que bom – concluiu Roberto após certa demora.
O diálogo prosseguiu menos empolgante, porém Roberto ficava apenas repetindo “legal”. A questão é que ele sentia que ela lhe olhava com um brilho misterioso. Se o brilho dos olhos não fossem importantes, eles continuariam a brilhar depois que o corpo morre.
Assim que se despediram começou a bater aquela sua paranoia típica: “será que estou com bafo, ainda bem que não bebi café antes de sair para a rua, senão estaria com bafo, ela esta sendo só gentil, ou eu estou ficando louco? Pode ser que seja apenas gentileza, afinal quantas vezes garotas me abraçaram, até mesmo cruzaram a rua para me cumprimentar, abraçar e beijar, e no final era só gentileza?! Se bem que ficou só na gentileza devido ao meu ritmo de tartaruga paralítica em marcha ré, que espanta e impacienta qualquer um, especialmente garotas afoitas, que nada mais querem do que atravessar a rua, abraçar, beijar e correr para uma cama e transar até dormir. Algo que seria ótimo hoje, neste frio, depois poderíamos tomar um café ou um mate, transar mais uma vez e dormir mais um pouco, bom mesmo seria tomarmos um banho bem quente numa banheira, mergulhar o corpo na água quente, deixar as peles se tocarem e...”
VRUUM! BEEEEÉ, quase que Roberto é atropelado. O feroz trânsito de sua cidadezinha úmida, não tolera rapazes hipnotizados por uma garota no mais sincero amor. Quando voltou a si o sinal para pedestres já estava verde a algum tempo, quase acabando a contagem dos números que avisam quanto tempo ainda restava para atravessar.
Chegou no escritório, a chuva seguia caindo, e como possivelmente não encontraria alguém que lhe importasse, tomou o tão desejado café, que provavelmente lhe deixaria com mau hálito: “A chance de encontrar ela ou outro alguém hoje é baixa, então posso tomar o tão desejado café e pouco me preocupar se o bafo provindo de minha boca deixará de seduzir alguém como o meu chefe ou a dona Terezinha, é um simples calculo estatístico”. E Roberto tomou toda a xícara enquanto caminhava até sua mesa. Sempre se sentava com a xícara já vazia. Assim que terminou de encostar suas nádegas na cadeira, sentiu o cheiro, o que vinha dela e que antes povoou seu nariz de tal forma que os carros não tinham paciência para sua paixão. Queria saber de onde vinha o cheiro, suas mãos, manga da jaqueta, cachecol, cabelo, pescoço, nenhum lugar parecia possuir o perfume propriamente. Acreditou que o cheiro então estava em seu nariz, estava depositado ali dentro. O estranho é que quando se dava conta o cheiro sumia, e quando começava a finalmente se concentrar em algo, o cheiro voltava, pensava nela, percebia que era devido ao cheiro que sentia, sentia que tal perfume estava preso em seu nariz e todo o ciclo reiniciava.
Duas semanas passaram, Roberto evitou ao máximo iniciar algum contato por meio da internet, mesmo que constantemente olhasse o perfil dela. Por sorte a encontrou mais duas vezes, uma de forma muito rápida, ela estava sentada no banco do ônibus perto da janela, e se viram enquanto o veículo arrancava. A outra por sua vez fora mais produtiva, se encontraram num bar. Roberto estava com seus amigos, sua intenção a princípio era beber e antes das três voltar para casa. Porém lá estava ela. Conversaram um pouco sobre as coisas mais banais possíveis, como o trágico episódio do ônibus, como havia sido a semana, estudos e o tempo que não melhorava, a chuva não dava trégua tornando o risco de enchente cada vez mais eminente. Antes que Roberto a espantasse perguntou: “o que vais fazer amanhã?”, e ela voltou a sorrir como quando começaram a conversar. Acabaram combinando de se encontrar para tomar uma cerveja, o que mesmo parecendo uma ideia terrível para o dia seguinte, Roberto acatou. Seu estômago continuava nervoso, parecia que era a primeira vez que ele conversava com uma garota.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Nada


          Se esforçava e nada. Tentava pensar em milhares de coisas, mas nada. Lhe disseram certa vez que o nada era edificante, pois traz a necessidade de gerar algo. Mas neste caso o que era gerado era um grande nada. O céu nublado, a temperatura amena e sua completa falta de noção do tempo. Sem saber porque, deixando manifestar sua vontade por mexer-se, ele saiu de casa, ouvindo sua música nos fones, parecendo que ele estava numa cápsula. Caminhou até o ponto de ônibus, que logo veio. O percurso de sua casa até o ponto era algo grotesco. Vivia numa clara região de classe-média, boa parte das casas possuíam piscina, todos seus vizinhos sabiam dirigir e tinham carro, graduados na universidade da região. Em questão de cinco minutos estava num loteamento irregular, casas sem reboco, ruas de terra, mais motos do que carros nas garagens, sempre havia um número considerável de crianças, e pelo que já havia percebido, alguns poucos galgavam degraus no ensino superior e isto era novidade. Sabia que aquele moleque que sempre estava em algum lado do ponto de ônibus vendia drogas, mas não esquecia que a maior parte da população dali era trabalhador. Segurança, lojista, linha de produção, motorista, cobrador de ônibus...

           O bonde passava pela via expressa. Não havia muita coisa ali, algo do gênero: “fui passear na via expressa, mas lá não havia nada para ver”. Apenas carros, casas ao fundo, e agora surgiam galpões enormes para comportar supermercados, shoppings e essas coisas, o que iria cobrir ainda mais as casinhas e a floresta que se via ao fundo. Não simpatizava muito com isso, mas admitia que era rápido, logo estava no centro da cidade. Pela energia e movimentação das pessoas dava para saber que era dia de semana. Preferia observar pessoas em dias de semana, parecia mais sincero. Desceu próximo a uma travessa (uma ruela). Alguns prédios antigos haviam sobrevivido, o que era muito bonito, dava um ar bacana pra cidade. Às vezes olhava dentro desses prédios e podia ver a escada de madeira, hoje isso não existe mais, não as escadas, mas a madeira.

           Sempre desviava das pessoas. Sempre há aquelas pessoas petulantes que não desviam. Quando avistava uma dessas, tentava não desviar, elas teriam que, pelo menos naquele momento, exercer um pouco de modéstia e desviar, e ao final, no último instante, ele sempre desviava não havia como. O curioso da rua são seus personagens de sempre: “oh tio, me vê uma moeda pra comprar um pastel”, “Ooooolha a trimania, trimania, trimania”. Dentre estes havia um sujeito que parecia ter parado na década de 1970. Pouco importava o clima, ele quase sempre estava de calça de veludo boca de sino, uma lã amarela manga de gola alta, corrente de ouro (provavelmente imitação) no pescoço, cabelo delicadamente penteado para traz, deixando aparecer suas costeletas e o detalhe mais importante, o cigarro que ia fumando conforme caminhava mexendo as pernas feito tesouras, ritmando o barulho de seu sapato batendo na calçada. 

           Curioso que num dado momento em que uma música do pink floyd começava em seus fones (pensou primeiro que havia acabado a bateria, mas verificou no visor, estava tudo bem, era só uma música do pink floyd começando), escutou o bater de louças que vinha do café. Haviam poucos cafés no centro, e a maioria era ruim. Como aquele não era, decidiu entrar e beber uma única xícara de café. Prostrou-se na entrada, parou e checou as moedas que tilintavam no bolso junto com elas havia uma nota, puxou, era de cinco reais. Ficou tranquilo, pois possuía dinheiro suficiente para o café. O pediu e esperou sentado perto da janela. Desligou a música e pescou os fragmentos que podia. O que mais escutava eram migalhas de conversas, gente apressada falando no celular, mulheres conversando, apenas uma ou duas frases, por vezes até fragmentos de frases. A louça tilintava no café, a água quente parecia querer esquentar todo o ambiente. Admirava-se de que as pessoas não tinham o carinho de olhar ao seu redor. “Quantas coisas elas perdem, e quantas eu perco?”, pensou ele. De súbito o tempo voltou a sua consciência, sabia que dia era, até as horas se tornavam claras. Ainda era pela manhã e lembrava que acordou devido a um caminhão que veio fazer entrega na casa de seu vizinho, e isso atiçou os cachorros que latiram e ele acordou. Não entendia porque estava no centro, tão longo caminho desde sua casa, especialmente de ônibus. Bem ali estava, sentado num café, flanando com saudades de tempos passados, o que era péssimo. E o nada que tanto lhe possuía, parecia ter edificado pouca coisa em sua vida, mas isso são coisas que se percebe depois de muito tempo. 

sábado, 20 de outubro de 2012

contradição, hibridismo e outras coisas breves



O ser humano é híbrido. Não há em um primeiro momento nenhuma novidade nisto. Este hibridismo faz com que o sujeito moderno seja também contraditório, a contradição é uma constante, quase um direito nosso. O sujeito puro é uma busca sem fim, um mito. A impureza – mescla – talvez seja o elemento mais original da humanidade.

Neste sentido se faz necessário olhar para a constituição das cidades – moradas, Heimat – como fruto do homem, e assim sendo tal organicidade como algo que não deve ser combatido, riscado pela régua urbanística de herança cartesiana. A geometria da natureza é diferente da de Mondrian, os riscos se cruzam na mais perfeita desordem. Por vezes o homem acaba caindo na piada do personagem que cheira cocaína no mato e começa a organizar as folhas caídas no chão as separando por cores.

Dai que há uma forma muito mais plural, e possível de relacionar-se, muito mais rizomática. Se espalhando, conectando os pontos separados. Precisamos tanto do caos quanto da ordem, produzimos e consumimos ambos. Somos fruto desta contradição, nós sujeitos modernos.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Estética da vida (?)







Algumas preocupações minhas são constantes. Desde que tomei um contato mínimo sobre o que seria a biopolítica, comecei a me interessar pela palavra vida. Dei um novo significado para além do papo usual de autoajuda. Também é válido colocar que é um celebrar da vida diferente do que há estampado muitas vezes em propagandas de casas noturnas, onde palavras como vida e liberdade são usadas. Durante um tempo o grande motor da semana era toda preparação e expectativa para as festas. Logo elas começaram a se esvaziar, deixaram de ser o grande lugar de experiência estética.
Olhar a grama do quintal crescer cansa depois de um tempo. As metas do trabalho logo se mostram repetitivas e mais cansativas que a grama do quintal crescendo. Assim sendo, cair na típica reflexão do “sentido da vida”, é um dos lugares comuns que nós modernos temos. Todo um existencialismo1 e reflexão parecem importantes, filmes onde a morte é a temática chave, o Nietzsche que você pode comprar em qualquer banquinha, Albert Camus, pós-punk, jazz e músicas de Bach ajudam a superar momentos de crise. E a crise leva a transformação.
Ao pensarmos no sentido da vida, normalmente elencamos as coisas mais banais possíveis: café, beber, sexo, comer, ler e tantas coisas quanto nossa procrastinação permitir. Entretanto não é o café que dá sabor a minha vida, mesmo mexendo com meu estômago e corpo, muitas vezes ele é cansativo, dá dor de cabeça e mal estar. E todas estas coisas ditas acima podem cair no mesmo círculo vicioso que o café (ou chimarrão) me proporcionam. Logo se descobre que não são coisas que dão o sabor desejado, mas as experiências, as sensações. Poder experienciar o corpo, sentir que ele está vivo. Isso acaba sendo o que importa, não são o sexo, o café ou ver a grama crescer, mas se estes elementos me levam a experienciar e aproveitar sensações, então sim, utilizarei eles.
O que ocorre é que nossa crise gira em torno da vida, desejamos viver. Com o desenvolvimento da medicina resolvemos uma série de problemas biológicos. Após a segunda guerra o mundo alcançou uma grande paz, apesar de muita coisa ainda rolar por aí, a ameaça das hordas famintas que eram uma constante durante a Idade Média ou dos bombardeios terríveis que atingiram boa parte da Europa, já não existem mais. São poucas situações em que nossa vida é posta a prova, apesar de ainda existir riscos. Imagino que durante tais períodos medievais era necessário afirmar sua vida constantemente, já que o risco de morrer (peste, guerra, hordas, brigas...) era muito mais intenso. A violência estava ali como uma prova de sua vontade por viver. Perguntar sobre o sentido de sua vida quando ela está sob constante provação é no mínimo cômico. E aqui é bom advertir dos riscos pela saudade do passado, pelo esforço de retornar a tempos supostamente mais áureos.
Dai uma repetição e insistência minha em analisar nossa maneira de viver, e provocações por uma estética2 da vida (ou da existência). Por isso um desejo por re-cidade, mas não refazê-la, muito mais dominá-la com vida feito o capim crescendo nas frestas da estrutura, nos espaços livres entre os blocos do paralelepípedo. Fazer dos lugares em que vivemos algo mais do que aço e concreto. Talvez algo demasiado egoísta, por não prezar muito mais do que o prazer sensorial de minha pele arrepiada e meu estômago nervoso, mas em grande medida a opressão sobre mim não é o prato de comida que me falta na mesa, mas sim uma falta de sabor no viver. Meu corpo ninguém me tira, por mais que usem e marquem esta carne, ainda não podem me privar do corpo, por isso eu uso, abuso e experiencio o quanto for possível. É o grito que não posso dar enquanto sento no escritório.
Talvez isso ajude a pensar e entender a afirmação de que meu corpo é meu templo, e talvez apagar uma série de moralismos muito mais ligados a nossa história recente que qualquer outra coisa. Também acredito que ajuda a entender que queremos e precisamos de algo mais do que: casa, comida, aquecimento, água... Apaixonar-se, ter amigos, ir em festas e a arte estão ai indicando que nos importa mais do que não passar fome. E esta coisa é invisível, e o elo mais próximo acaba sendo a pele. E é ali que eu me arrepio, é nesta superfície que posso encontrar o mais profundo.
 
1Coloco isto na expectativa de buscar um sentido mais coloquial do termo, podendo ser possível traduzir como um perguntar-se de sua existẽncia.
2Estética aqui é algo mais do que a usual “beleza”, mas está intimamente ligado ao belo, que é mais do que imagem.

 

sexta-feira, 13 de abril de 2012

As coxas



A casa tinha um pequeno efeito labiríntico, parecendo que era o contorno de algo que estava do outro lado das paredes. Três garotas moravam ali, conhecia de vista uma delas, a outra um pouco melhor, sabendo até mesmo o nome. Enquanto a terceira, ele não tinha ideia de quem era. Até porque ela estava em seu quarto junto com seu namorado. Tornando exígua a possibilidade de efetuar tal empreitada. Ele não lembrava como ou porque estava ali dentro do apartamento das duas garotas. Num esforço em entender tal situação, ele só lembrava das duas o conduzindo ao apartamento. O conduziram da melhor maneira que fazem as mulheres, com sorrisos e toques. Ambas revelavam certo desejo ou volúpia, e Roberto sempre soube apreciar mulheres de fibra, que sabiam pegar num homem, que não eram delicadas feito damas e tão pouco tinham sonhos de princesa. “Mulheres que usam calça”, como dissera certa vez para um amigo, explicando que se encantava por quase toda mulher que fosse o oposto da feminina, que por sua vez trajaria saia e salto alto, “Quero calça e tênis”, disse para encerrar.
Andavam todos pela casa feito baratas. A cozinha era como que local de passagem, repartindo os dois quartos e a sala e o outro quarto. Em resumo era um longo corredor em formato de “L” dividido com cômodos. Como toda visita que chega a uma casa pela primeira vez e não tem a devida intimidade, revezava-se em seguir as duas garotas que o haviam arrastado para o apartamento. E elas pareciam se divertir muito com isto tudo, dando risadinhas e sorrisos enquanto chamavam a terceira garota, perguntando por algo, ligando e desligando a tevê, ou abrindo janelas. Do orifício na parede que ficava próximo a sala vinha a brisa do mar, que não estava tão longe. Num destes corres-corres sem sentido pela casa, ele foi em busca da que ele melhor conhecia. Saiu da cozinha onde bebia água da pia, passou pela sala ignorando e sendo ignorado pela segunda garota e foi até o quarto da que ele sabia o nome. No quarto ela trajava apenas calcinha e uma camiseta regata, e parecia que assim pretendia ficar. Junto com ele viera a segunda garota, ambas conversavam freneticamente sobre alguma coisa para o cabelo e garrafas de vinho. Roberto tentava disfarçar, mas não deixava de medir o corpo dela com os olhos. Sempre odiara machistas. Não queria ser um desses homens que acreditam que mulher pelada quer sexo, e se quer sexo é puta, e se é puta deve apanhar, ser maltratada. Nunca gostara deste pensamento, preferia ver as mulheres de fibra, e que sim, da mesma forma que homens, gostavam de sexo, se masturbavam e ficavam bêbadas.
Seus olhos não deixavam de seguir a circunferência das coxas, queria pegar aquelas coxas com as mãos e apertar, ver se eram assim tão caprichosas. Vendo ele sabia que suas mãos não bastavam, sem contudo serem as coxas grandes demais beirando ao hecatombe. Eram, como preferia colocar, fartas, prazerosas. Exagero talvez, mas estava longe de ser algo feio ou que beirasse ao desperdício de carne. A vontade era apertar aquela coxa até escorrer por entre os dedos, acariciar aquela pele que parecia tão macia. Pressionar as nádegas contra a bacia enquanto apalpava aquelas pernas e o resto do corpo. O fato dela estar de calcinha e camiseta o desconcertava, mas não pelo fato de ela estar sem as calças, mas sim pelo fato de que ele não conseguia ver uma mulher seminua. Por mais que buscasse entender ou se justificar, não estava preparado para ver tamanhas coxas desnudas.
As duas tagarelavam, e Roberto olhava as coxas atônito. As duas percebiam e riam, não buscavam esconder seu riso. E ela sua coxa. Foram feitos baratas para o sofá. A garota que ele sabia o nome levantou-se depois de um tempo sentada e foi para a cozinha anunciando que ia pegar o vinho. Roberto e a outra garota se entreolharam, riram feito crianças que fazem cócegas umas nas outras e foram ajudar sua amiga com o vinho. Ela conseguiu sacar a rolha sem grandes problemas. A garrafa estava acompanhada de copos desde o “poc” que faz o vinho ao ser aberto. O cheiro era bom, o gosto era bom. Pegaram um pouco de pão cada um, para encher a barriga vazia, e voltaram para a sala, Roberto é claro acompanhava com o rabo do olho a parte traseira das coxas e aquelas nádegas tão impressionantes quanto as fartas pernas. As duas o dominavam de tal forma que o instalaram certinho no meio das duas. No começo a televisão estava ligada em algum canal que nenhum deles assistia. A amiga da que usava apenas sua calcinha e camiseta regata levantou-se depois de poucos minutos e alguns goles, e resolveu desligar a tevê para ligar o rádio, onde tocava um música de fundo.
O sofá não chegava a ser apertado, mas era pequeno, o que fazia com que um corpo caísse facilmente sobre o outro. Roberto sentia as coxas quentes das duas encostando nas suas. O vinho que bebiam esquentava a alma. Apesar do verão já ter acabado, o calor ainda era mais presente do que o frio. “Será que é por isso que ela está de calcinha?”, chegou a cogitar Roberto durante alguns segundos, “não, certo que não é EXCLUSIVAMENTE por isso”, e concluiu seu pensamento como que num arremate, “mas não significa que seja APENAS por mim”. A passividade em que se instalava Roberto deixava as duas cada vez mais risonhas, animadas e calorosas, conforme todos bebiam o vinho e ninguém dizia palavra alguma sobre sexo. As duas pareciam se divertir. Quando um pouco de silêncio começou, deixando transparecer ao fundo a música do Belle & Sebastian que tocava, Roberto vira aquela beleza de pernas se levantar, observou os poucos segundos que a arquitetura do apartamento lhe permitia ver das belas nádegas dançando em perfeita sintonia com aquela infinidade de coxas. Só então ele percebera a beleza de costas que ela tinha, dava vontade de morder as costas, começando pelo pescoço. A segunda garota ficou o encarando e rindo, bancando o inocente Roberto pergunta com sincera malícia, “que foi?”. Como resposta ela derrama vinho no pescoço dele e o bebe. Ela mordia forte, mas não o suficiente para deixar marcas. Como retribuição Roberto derrama vinho na nuca dela e faz o mesmo. Dava para ver pelas bochechas flexionadas que ela mordia o lábio inferior. O vinho é claro, escoria por outras partes do corpo, e pouco dele se bebia assim.
Quando a outra voltou a amiga que estava no sofá chamou dizendo: “Olha só isso”, e derramou o vinho no braço dele e bebeu como fizera da outra vez. Ela riu, quase deixando escapar o vinho que acabara de botar na boca. Como ela ria, os dois que estavam no sofá se apertavam, ela muito mais do que ele. Olhando os dois se apertando e rindo, dando beliscos na barriga um do outro, ela desceu até o sofá, deixando a todos mais próximos devido a suas belas ancas. Roberto não queria mais perder tempo, derramou o vinho no pescoço da garota que olhava desde que entrou no apartamento e o bebeu. Ela sorriu de forma inocente e perguntou “Não vais beber tudo?”. Assim que terminou de ouvir a frase Roberto fitou a enorme gota que escapou e ficou nos peitos, riu e bebeu o vinho com força, lambendo aquela pele, que agora sabia ele era macia. Seu pênis ficou ereto, dava para perceber pelo relevo da calça. As duas já não riam mais, começaram a morder o pescoço dele, apalpavam aquelas coxas másculas que ainda tinham algo de músculo. Vez por outra alguma das quatro mãos acariciavam sua genitália, puxando a cabeça com as delicadas pontas dos dedos. O único lamento de Roberto era o fato de ter somente duas mãos, de não dar conta daquelas duas, seu corpo o impedia, não o seu fôlego. O vinho repousava no fundo de cada copo jogado em algum canto daquela pequena sala, ninguém os via e podiam fazer o que bem entendessem. Pouco tempo depois de sentir as mãos em seu pênis, Roberto se virou para aquela que desde o início povoou sua imaginação depravada, apalpou os seios fartos, e desceu sua mão vagarosamente até as coxas. As apertou com força, como queria desde sempre. Passou as duas mãos por dentro da calcinha, sentindo o calor do corpo dela. Enquanto a outra garota o beijava na nuca e apertava sua bunda, pegando com a segunda mão no seu pau, ele virou a garota das coxas, abriu sua braguilha deixando seu pinto já rijo e ereto para fora, e começou a abaixar aquela calcinha que tanto o incomodara e provocara, esfregando seu pinto naquelas nádegas tão imponentes quanto as coxas. Sem contudo penetrar.
O momento era propício, o vinho estava alto, esquentou o corpo o obrigando a despir-se. Todos já gemiam baixinho, pedindo por mais carne, mais sexo, mais coxas. Quando ele sentiu a mão daquela que lhe reservava as espaldas apalpar seu pênis e o conduzir para o sexo, e a outra começava a o despir, deixando-o sem sua camisa fazendo para isso tamanha confusão. E sem que se perceba uma voz vinda da cozinha se manifesta em alto tom: “Ai meu Deus, o que vocês estão fazendo na minha sala?”. Apesar de terrem ouvido os três não pararam no começo, apenas reduziram o ritmo para ouvirem em seguida: “Ei seus tarados, parem com isso!”, ai então as braguilhas fecharam, as calcinhas subiram e as camisas desceram. Ninguém disse palavra, todos os três ficaram mudos ante a outra companheira de apartamento que até então Roberto nem imaginava quem era e tão pouco imaginava conhecer nesta noite. Agora nesta cabulosa situação a descobria. A garota que mais estava vestida foi até a televisão e a ligou, ignorando completamente a cara de ojeriza e cólera da terceira. Todos se sentaram, procurando ignorar. Ela por sua vez começou a falar em tom imperativo, xingá-los pela cena na qual acabavam de atuar os três corpos vermelhos do vinho. Ambos ficavam quietos como se assistissem televisão desde que haviam chegou. Então a terceira garota começa a berrar, alto, em tom enfurecido, e dirigindo-se para a frente da televisão procurando obrigar aos três que os vissem, sem contudo desligar o aparelho. Poucos segundos depois do primeiro bero aparece o namorado dela sem camisa, a abraçando e perguntando o que aconteceu, ela apontou para os três no sofá, começou a chorar, ficou vermelha. O namorado a abraça procurando dar abrigo e apoio. Um dedo torto e com unhas grandes, pintadas e cuidadas, em resumo completamente diferente da unhas das duas, que apesar de cuidadas não chegavam a tal exagero, apontava para Roberto. Apesar do dedo estar torto era para ele que o dedo inqueria. Não foi dita palavra alguma para o entendimento da situação. O namorado da terceira garota olhou feio para Roberto, de maneira que seus músculos flexionavam, o concluiu: “Fora daqui”. Roberto no seu ato de coragem deu um beijo de língua em cada um das duas, fechou decentemente sua braguilha, levantou e deu mais um beijo na testa de cada uma das duas, que retribuíram com aqueles encantadores sorrisos que por pressuposto o conduziram até ali. Sem mais palavra alguma, Roberto galgou seu caminho até a rua. O namorado que já providenciara uma camisa, escondendo os rijos músculos, levantou-se e o seguiu com o olhar até a porta. Conforme Roberto descia a rampa do apartamento que o levava até a rua, ouviu a porta abrir e sentia o olhar inquisidor do namorado. Ao virar a curva para a rua escutou a batida da porta fechando, seu alívio era a calma com que aquela porta fechou. Caminhou até a praia, na parte escura e deserta dela, onde as pessoas iam para usar drogas no inverno. Ali sentou e conforme avistava as luzes dos navios na longura do mar, rememorou o que aconteceu, tentando entender e se sentindo culpado por ter saído tão obedientemente. Justificando para si repetia na cabeça: “foi o choque, foi o choque”.