quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Classe média - uma questão de classe

Portinari

***


Classe média - uma questão de classe


Sempre havia me incomodado a situação dos pobres. São jogados em morros, deixados sem água, esgoto, transporte público, menos eletricidade, pois esse faz a TV funcionar. Não vou te dizer que não assisto TV, mas é muito raramente, no máximo uma vez por semana, isso quando passa algo que me interessa no canal educativo. Geralmente me interesso por história. Bem, voltando aos pobres, os empurram para situações desconfortáveis, o fazem trabalhar exaustivamente, consomem seu suor e seu sangue, os chamam de vagabundos e fedidos. Chamar alguém de fedido depois do o colocar para trabalhar embaixo de um sol de verão ao meio dia te castigando é muito simples. Sabe o que tem de mais incomodo nisso tudo? Cem anos atrás os pobres ainda eram jogados nas favelas, daqui a cem anos continuarão sendo jogados. Senão em favelas, provavelmente em becos, buracos, depósitos, fábricas e qualquer lugar onde eles couberem. É nesse descaso com os pobres que eu entro, nunca dei muito valor para essa coisa chamada alta sociedade. Lembro certa vez que um estudioso em filosofia havia me dito algo sobre Immanuel Kant, era sobre a etiqueta, sobre a civilização e principalmente tudo isso reflete em sociedade, nossos gestos treinados, nossa postura, nossa educação, tudo isso não passa de uma coisa falsa que criamos. A arte a ciência é algo que inventamos, nos enganamos com todas essas coisas, simplesmente para nos sentirmos humanos, superiores a todo o resto. Queremos Deus não porque ele é bom, mas sim para estarmos do lado dele, assim como Jesus está.

Alias sobre Kant, tem coisas nele que muito me agradam. Não sei o quanto isso pode ser relevante, mas sempre que posso procuro saber sobre a vida pessoal do gênios “enganadores” que tenho certo respeito e admiro muito. Kant tinha uma rotina impecável, tinha uma certa riqueza que lhe dava uma condição de vida agradável. Sabemos que ele tinham um mordomo. E sua rotina era algo tão exato que diziam se poder ajustar o relógio a partir de seu passeio. Possuía um ritmo em perfeita sincronia com os minutos e segundos. Fora educado numa rígida educação. Kant viveu pelos idos de 1750, mais precisamente, nasceu em 1724 e morreu em 1804. Isso faz mais de cem anos. E faz mais de mil anos que os pobres são jogados a cada buraco que couberem. E acredito eu que durante toda a trajetória da humanidade sempre houveram seres humanos mais sensíveis e indecisos sobre coisas da vida que os outros. São desde sempre comparados a uma peça defeituosa. Muito depois de 2000 eles ainda continuam a existir, sobrevivendo entre toda aquela enganação e pobreza, tudo fruto de uma coisa colocada num pedestal, coisa essa chamada sociedade. E a sociedade é uma puta, e das mais vadias.

***

Fazia um frio gostoso, frio o suficiente para se usar um simples moletom por cima de uma camiseta. Usava calças Jeans justas, eram mais descoladas assim. Tênis com cano médio e para quem tem pés finos. Adorava se vestir assim. Já anoitecia, dava para ver a cor amarela, avermelhada do sol tingindo todo o céu e a cidade. Pedro estava com mais um amigo, Felipe, no terraço de um prédio abandonado. Era um prédio construído pela metade, só havia o esqueleto. Lá de cima dava para ver a cidade. Esse seu amigo Felipe estava bolando um baseado. Tudo que Pedro fazia era olhar para a cidade. Tinha um medo medonho e até mesmo bizarro por altura. Esse mesmo medo se refletia em agulhas, tinha pavor dessas duas coisas. De resto parecia não temer mais nada. Aquele era o presente dos dois, Felipe querendo fumar seu cigarro e Pedro esperando anoitecer para poder ir para algum lugar. Esse era seu presente, era o futuro. O frio estava gostoso, era o começo do outono, era sexta-feira e ambos os dois tiveram uma semana terrível demais trabalhado sofridas oitos horas.

Felipe acendia seu cigarro:

- Quer uma bola Pedro?

- Não cara, tenho medo de ficar tonto e cair.

Felipe dá uma risadinha. Pedro nem dava bola, sabia que era só mais uma das suas manias loucas, mas que lhe enchiam os nervos até a ultima caso nenhuma delas pudessem ser feitas.

Ficaram os dois parados, pegando o vento no rosto, vendo o final da tarde:

- Já parasse para pensar para onde todas essas pessoas estão indo agora? – perguntava Pedro para Felipe enquanto observava o transito caótico que se formava neste horário.

- Sei que a maioria está correndo para casa, estão mais cansados que nós. Sei que vamos correr essa noite.

- Acho que assim que eu achar alguém eu vou estar junto a toda aquela massa, querendo ir para casa, apenas descansar. Só isso. Não vou para casa descansar porque eu não consigo enquanto eu não encontrar alguém.

- Mas homem ou mulher Pedro?

- Ainda não sei. Qualquer pessoa que me ame. Sempre tive quedas infernais por garotas de preto e pele branca. Homens não servem para nada. Sou bissexual porque sou tarado.

- Lembra aquela garota que você ficou semana passada?

- Lembro, que tem ela?

- Disse que tu deve ser ninfomaníaco.

- Impressão dela, provavelmente eu estava empolgado, só isso. Cara, ela tinha 14 anos. Estava indo naquela festa escondida dos pais, parecia que eu estava dando os primeiros beijos nela. Pelos menos eu estava sendo um dos primeiros da lista dela. E pelo jeito aquela lá vai ter uma lista extensa.

Os dois riram um bocado e se calaram. Felipe terminou seu baseado. Os dois desceram. Já estava praticamente escuro. Os relógios batiam 19Hrs, iriam agora até um mercado que existia lá perto comprar bebida. Bebiam álcool igual a camelos bebendo água.

O problema é que você podia beber socialmente, mas era pecado gostar de beber, falar que bebia por prazer. Assim como era pecado você dizer que não gostava de trabalhar. E quem gosta?

O mercado era enorme, chão todo branco. Era limpo ali:

- cara, lembro quando eu trabalhava de guia turístico ano passado. Os turistas vinham para cá e ficavam impressionados com a limpeza dos lugares por aqui, adoravam não ver favela alguma pela cidade. Eu me segurava toda vez para não pular no pescoço deles, bater a cabeça deles na parede ou no chão e berrar “QUEM VOCÊS ACHAM QUE LIMPAM ESSA CIDADE, SUBA UM MORRO SEM SANEAMENTO QUE VOCÊ VÊ QUEM LIMPA A TUA SUJEIRA”. – disse Pedro.

- Me irrita a idolatria dos turistas por essa cidade. Pior é quem mora aqui e acredita nessa enganação.

- O que falar, a maioria deles acredita no que é dito pela TV. O Jornal é dono da verdade. Fazem toda essa lavagem na mente das pessoas por meio de filmes de quinta categoria, com estrelas que não sabem atuar e estão na tela senão pela sua cara bonitinha. Engolem qualquer coisa que você vomitar para elas!

- Pior é quando você chega em casa e vê que seus irmãos e seus pais são essa gente. – Diz Felipe.

- Isso dói mesmo.

Andam para os fundos, era lá que ficava a cerveja gelada. Um segurança da um toque no rádio, e os dois começam a serem seguidos pelos seguranças. Os dois percebem, dão uma risada e acham graça.

- Pega as do fundo, essas são mais geladas – Falou Pedro.

- Aham, pode deixar. – Replicava Felipe enquanto pegava duas cervejas de meio litro do fundo da prateleira.

Os dois foram até o caixa pagar. Era sexta-feira e dava para sentir que o mercado estava mais agitado. Iriam hoje para o seu lugar favorito depois dos topos de prédios e as ruas escuras, a TVC 15, uma boate que parecia ser feita para os dois e as outras 50 pessoas que iam lá. No lugar em vez de tocar as músicas do momento, tocava aquela música que fazia eles se sentirem vivos. Abriram a cerveja e foram andando até lá:

- Sabe uma coisa que eu já percebi? – Falou Pedro – O quanto uma imagem compra as pessoas. Elas se iludem fácil. E o que mais me irrita nisso tudo é o fato de viverem me chamando de sonhador só porque eu não quero trabalhar numa fábrica ou escritório como eles acham certo. Definitivamente, isso acaba com meu fôlego.

- Imagem compra tudo, porque tu acha que as pessoas assistem mais televisão do que lêem? TV tem imagem. Lembramos mais de filmes do que de livros. Eu mesmo admito que preferiria escrever um filme e produzi-lo do que escrever e editar um livro. Penso eu pelo menos.

- Não estou muito longe disso.

Os dois se calam e tomam um gole longo. A continuam caminhando até chegarem a TVC 15. Dava para sentir a vibração da música vinda lá de dentro. Estava tocando Depeche Mode, Dreaming of Me no último volume! E você sabe como se dança músicas assim? Como é dançar com ódio de verdade? Um ódio tão grande que te dá vontade de chorar? Você apenas deixa a música te absorver, se ela te tocar vai fazer você tremer, ou se tiver sorte, sentir como se tivesse levado um soco e não consegui-se mais se mexer. Era por esse tipo de música que se buscava toda noite quando o ódio te tornava vulnerável. Não queria ouvir “música para dançar” como o pessoal gostava tanto de falar por aí. Queria músicas que fizessem eu me sentir vivo. Músicas para dançar são fáceis, o complicado é conseguir compor uma música que faça você se sentir vivo. Isso vai para além da música, deve ser para toda forma de arte, para quando se acorda de manhã. Seja lá o que, mas preciso me sentir vivo sempre que posso.

A TVC era pequena, tinha uma pequena pista para o pessoal dançar, e cantos com mesinhas para você tentar conversar e beber em paz, já que na pista sempre tem o risco de alguém derrubar a tua bebida.

Os dois entram, dão uma volta, procuram o seu amigo, Marcos. Ele geralmente tocava de DJ lá, mas hoje não tocaria. Marcos conhecia muitas pessoas, muitos amigos de Pedro e Felipe foram apresentados por Marcos. O viram e foram o cumprimentar. Só apertaram as mãos, Marcos estava conversando com um casal. Até onde se sabia era um casal bem aberto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário