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Foto de guerrilheiro partisan |
Qual o sentido de ser socialista hoje em dia? Como disse Saramago
certa vez, “sou socialista de espírito”, e ele prosseguiu
afirmando que provavelmente nunca fez tanto sentido ser socialista
quanto nos tempos atuais. Ser socialista não significa
necessariamente integrar nenhum partido, nem é obrigatório apoiar
algum regime. Ser socialista está muito mais ligado a sua
inconformação com a pobreza no mundo, mesmo que o mundo tenha
deixado faz muito tempo de ser um lugar pobre. Ainda existem pessoas
passando fome, e não é pela falta de comida, é pelo não acesso a
comida. Muitas vezes por motivos que elas não tem poder de
interferir. O Brasil está entre os dez países mais ricos do mundo,
e isso não é de hoje apesar de todo o alarde do sexto maior PIB
mundial, continuamos morando em favelas, pegando ônibus lotado,
enfrentando engarrafamentos, tendo uma dificuldade enorme para coisas
simples como usar hospitais, pegar um livro na biblioteca pública,
pesquisar no arquivo histórico, passear no parque, tomar um café
num Café (igual Paris ou Buenos Aires), ler um livro neste Café ou
parque e, o mais preocupante, ir nestes lugares de bicicleta – e
não de carro e não num Shopping Center e não gastando muito
dinheiro. A pergunta é: estamos mais ricos e melhorou nossa
economia, mas melhorou pra quem?
Hoje, mais do que nos tempos de Saint Simon, H. G. Wells ou Fourier,
a pobreza é um problema de distribuição mais do que de produção.
Riqueza existe, mas ela não chega de uma maneira igualitária para
todas as pessoas.
Algum sujeito já deve estar escrevendo GULAG – em caps lock – e
me acusando das coisas terríveis que Stálin ou o Khmer vermelho
fizeram. Não sou eles, assim como espero que o sujeito que defende o
neoliberalismo não seja ou concorde com Pinochet, já que seu regime
ditatorial foi um dos primeiros a adotar as premissas da escola de
Chicago, nem com os militares que impuseram uma ditadura no Brasil
até 1985 com o intuito de nos “salvar do comunismo” e manter
capitalismo - mesmo sendo Jango tão capitalista quanto Juscelino,
ambos perseguidos pela ditadura. E tão pouco com o regime nada
democrático na irmã sulista da Coréia do Norte, a Coréia do Sul,
que até pouco tempo adotava uma democracia nada clara ou
participativa – porém apoiada pelos EUA. Da mesma forma que você
não concorda com a censura na ditadura militar brasileira, eu jamais
concordei com a censura na antiga URSS, assim como desprezo o
monopólio da imprensa brasileira e o fato de só haver um único
jornal em Cuba, controlado pelo governo. Sejamos sinceros, tanto o
socialismo quanto o capitalismo já houveram e ainda ocorrem
ditaduras em seu nome. Você entende que um católico não precisa
concordar com a inquisição para ser católico, e nem tão pouco ele
seja um oficial da inquisição ao se declarar católico, por que
pensar isso então de um socialista?
Outro ataque comum, que até já rendeu livro pode ser: “mas como
assim, você é socialista, porém sempre estudou em colégio
particular, tem uma boa casa, vive bem, não pode!”, associando o
socialismo (e afins) a pobreza, a miséria, porém é justamente isto
que se busca resolver, as mazelas do mundo, acabar com a pobreza, não
reproduzi-la. Socialistas, diferente de monges franciscanos, em
momento algum fazem voto de pobreza. Por sinal, caso você não saiba
a ideia do socialismo é justamente acabar com a pobreza.
Outro ataque comum é pegar elementos pessoais, como se o sujeito é
separado, ou fuma maconha. Utilizar este argumento é nada mais do
que combater o lado pessoal e não a teoria em si, dizer “socialista
é maconheiro” é tão relevante para o socialismo quanto,
“capitalistas não dão esmolas” é para o capitalismo. É um
argumento tão importante quanto saber a posição sexual favorita,
que por mais que você deseje isso, não muda uma linha de qualquer
escrito de Plekhanov, por mais que você insista em tentar. No máximo
desvia-se o foco para coisas fúteis como o corte de cabelo, o modelo
da roupa, a quantidade de água que bebe por dia...
Por mais que se tente demonstrar que experiências como a URSS deram
errado, não podemos esquecer que a crise de 1929 não acabou com o
ideal capitalista, nem tão pouco a crise recente conseguiu, e
ninguém fala que “o capitalismo deu errado”, mas sim que ele se
renovou. Assim como o capitalismo não é o mesmo do século XIX o
socialismo não é o mesmo que era praticado no século passado. Da
mesma forma, problemas e mais problemas continuam existindo no mundo
capitalista, por mais que o discurso de “derrota do comunismo”
tente esconder e propagar uma visão de paraíso na terra. E assim
como o “comunismo nunca foi alcançado”, o capitalismo que temos
agora pode deixar Hayek, Mises ou Smith de cabelo em pé! E é tão
cheio de contradições quanto qualquer outra teoria que busque
entender ou organizar a sociedade.
Outro argumento cansativo é o de que tudo isto seria apenas uma
utopia. Bem, quando se pensou a primeira vez em viajar no espaço,
também era uma utopia, quando se pensou em um comunicador de voz e
imagem, isto também era uma utopia. A cura do câncer ainda é, a
cura da AIDS também, porque só a minha utopia não vale? Já
tentaram curar a AIDS mas não conseguiram, por isso vamos desistir?
Como dito no começo, acreditar numa utopia nunca fez tanto sentido.
E não temos muitos ataques contundentes contra um ideal que faz
tanto sentido as nossas crenças atuais. Acreditamos que deve haver
uma distribuição melhor da riqueza, que escolher o que ser da vida
dependa de elementos relevantes como seu empenho e não sua condição
para pagar seus estudos, que sua cor da pele ou conta bancária não
sejam um pré-requisito para ser atendido no hospital, que devido ao
seu trabalho você possa ter um lazer e descanso dignos, que a fome
deixa de ser uma imposição para tantas pessoas, assim como a
desigualdade. O mais absurdo de todos estes males é que temos
tecnologia para isso, já pode ser feito, é possível, cabe agora
acreditar.