Degas
***
Havia um costume comum na cidade que levava as pessoas a não saírem
de casa em dias de chuva, exceto se fosse para trabalhar. Ele
caminhava pela rua, como trabalhava não havia desculpas para não
sair de casa. A principal rua da cidade estava vazia, poucas pessoas
caminhando, assim como poucas lojas abertas, o que colaborava para a
desertidão da rua. A pouco mais de vinte metros vinha caminhando
alguém de silhueta familiar, cada passo o ajudava a identificar quem
era. Percebeu que ela lhe olhava fixo de tal forma que demonstrava
lhe reconhecer. Deixou soltar um sorriso, retribuído por ela, pelo
encanto do acontecido. Viviam se cruzando pela rua, ambos sempre
estavam caminhando pela cidade fazendo as coisas mais variadas. Não
bastasse apenas isto, iam várias vezes para as mesmas festas. De
tanto se cruzarem já estavam familiarizados, em alguma medida, um
com a silhueta do outro. Para completar, nos últimos tempos os
vínculos de amizade se tornavam cada vez mais próximos. Roberto
simplesmente não sabia se ela o notava. Ele gostaria mesmo era poder
adivinhar o que passava naquela cabeça.
Seu sorriso se manteve no rosto pois ela lhe retribuiu, caminharam
até um de frente ao outro e se cumprimentaram, não somente com o
tradicional beijo no rosto, mas sim também com um abraço caloroso.
Não sei o que pode parecer, mas nesta cidade as pessoas tem por
hábito não se tocarem, exceto se desejam algum tipo de intimidade.
Neste abraço caloroso, claramente intencionado por ela, ele pode
sentir seu cheiro. Certamente ela havia tomado banho havia pouco
tempo, além de parecer limpa estava cheirosa. O cheiro estava forte,
mas não se fazia incomodo. Quem primeiro falou algo foi ela, já que
Roberto, nosso herói pouco heroico, era muito tanso, apesar de
inteligente e boa pessoa. Um certo amigo seu o chamava de Michkín,
devido a controversa personalidade de Roberto:
- O que estás fazendo? - indagou ela a Roberto, ainda mantendo o sorriso no rosto.
- Estou trabalhando, e você? - respondeu ele após certa demora, pois estava um pouco hipnotizado pelo cheiro dela.
- Acabei de vir do cursinho, e agora estou indo para casa.
- Que bom – concluiu Roberto após certa demora.
O diálogo prosseguiu menos empolgante, porém Roberto ficava apenas
repetindo “legal”. A questão é que ele sentia que ela lhe
olhava com um brilho misterioso. Se o brilho dos olhos não fossem
importantes, eles continuariam a brilhar depois que o corpo morre.
Assim que se despediram começou a bater aquela sua paranoia típica:
“será que estou com bafo, ainda bem que não bebi café antes de
sair para a rua, senão estaria com bafo, ela esta sendo só gentil,
ou eu estou ficando louco? Pode ser que seja apenas gentileza, afinal
quantas vezes garotas me abraçaram, até mesmo cruzaram a rua para
me cumprimentar, abraçar e beijar, e no final era só gentileza?! Se
bem que ficou só na gentileza devido ao meu ritmo de tartaruga
paralítica em marcha ré, que espanta e impacienta qualquer um,
especialmente garotas afoitas, que nada mais querem do que atravessar
a rua, abraçar, beijar e correr para uma cama e transar até dormir.
Algo que seria ótimo hoje, neste frio, depois poderíamos tomar um
café ou um mate, transar mais uma vez e dormir mais um pouco, bom
mesmo seria tomarmos um banho bem quente numa banheira, mergulhar o
corpo na água quente, deixar as peles se tocarem e...”
VRUUM! BEEEEÉ, quase que Roberto é atropelado. O feroz trânsito de
sua cidadezinha úmida, não tolera rapazes hipnotizados por uma
garota no mais sincero amor. Quando voltou a si o sinal para
pedestres já estava verde a algum tempo, quase acabando a contagem
dos números que avisam quanto tempo ainda restava para atravessar.
Chegou no escritório, a chuva seguia caindo, e como possivelmente
não encontraria alguém que lhe importasse, tomou o tão desejado
café, que provavelmente lhe deixaria com mau hálito: “A chance de
encontrar ela ou outro alguém hoje é baixa, então posso tomar o
tão desejado café e pouco me preocupar se o bafo provindo de minha
boca deixará de seduzir alguém como o meu chefe ou a dona
Terezinha, é um simples calculo estatístico”. E Roberto tomou
toda a xícara enquanto caminhava até sua mesa. Sempre se sentava
com a xícara já vazia. Assim que terminou de encostar suas nádegas
na cadeira, sentiu o cheiro, o que vinha dela e que antes povoou seu
nariz de tal forma que os carros não tinham paciência para sua
paixão. Queria saber de onde vinha o cheiro, suas mãos, manga da
jaqueta, cachecol, cabelo, pescoço, nenhum lugar parecia possuir o
perfume propriamente. Acreditou que o cheiro então estava em seu
nariz, estava depositado ali dentro. O estranho é que quando se dava
conta o cheiro sumia, e quando começava a finalmente se concentrar
em algo, o cheiro voltava, pensava nela, percebia que era devido ao
cheiro que sentia, sentia que tal perfume estava preso em seu nariz e
todo o ciclo reiniciava.
Duas semanas passaram, Roberto evitou ao máximo iniciar algum
contato por meio da internet, mesmo que constantemente olhasse o
perfil dela. Por sorte a encontrou mais duas vezes, uma de forma
muito rápida, ela estava sentada no banco do ônibus perto da
janela, e se viram enquanto o veículo arrancava. A outra por sua vez
fora mais produtiva, se encontraram num bar. Roberto estava com seus
amigos, sua intenção a princípio era beber e antes das três
voltar para casa. Porém lá estava ela. Conversaram um pouco sobre
as coisas mais banais possíveis, como o trágico episódio do
ônibus, como havia sido a semana, estudos e o tempo que não
melhorava, a chuva não dava trégua tornando o risco de enchente
cada vez mais eminente. Antes que Roberto a espantasse perguntou: “o
que vais fazer amanhã?”, e ela voltou a sorrir como quando
começaram a conversar. Acabaram combinando de se encontrar para
tomar uma cerveja, o que mesmo parecendo uma ideia terrível para o
dia seguinte, Roberto acatou. Seu estômago continuava nervoso,
parecia que era a primeira vez que ele conversava com uma garota.
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