![]() |
Walentin Aleksandrovitch Serow |
Ninguém mais sabia direito o que fazer, o garoto continuava com suas
dores fortes no estômago. O médico de confiança da família o
examinou, tiraram raio x, endoscopia e nada podia ser identificado
pela moderna medicina. Num momento de desespero a mãe pergunta ao
médico, “e pode haver alguma solução para tudo isto?”, ele
raciocina e muito complacente responde, “não se preocupe, confie
na ciência, acharemos alguma solução para o caso de seu filho,
ademais não lidamos com algo tão crítico, fique tranquila pois
nada indica que ele irá morrer ou algo do tipo”. Isto já era
sabido havia muito tempo, para essa resposta não era necessário um
médico, por isso a criança desabafa, “mas mãe, essa dorzinha me
incomoda”, e este era o problema, o incômodo em sua barriga,
dentro de si, que não sossegava.
Quando saem do consultório em direção ao carro, a mãe caminhava
determinada, voltam para casa sem dizer nada, pois não havia o que
ser dito, afinal a criança não morreria, isto já era claro para
todos havia muito tempo. Chegando em casa a mãe telefona para sua
mãe, falava com a avó da criança, “Sabes me dizer se ela atende
ainda?”, podendo ouvir apenas um lado da linha, algum tempo depois
a conversa segue com, “ah, sim, ali do lado do posto de saúde, uma
rua depois, sei onde fica”, a conversa seguiu mais um pouco
terminando com, “ah, o Roberto não pode saber, ele não acredita
nessas coisas”. E não acreditava mesmo. Roberto era formado numa
universidade de prestígio, exercendo um cargo de prestígio e muito
esforçado e competente, é verdade, mas sua única crença era na
ciência e no que ela poderia dizer. É importante frisar que Roberto
não faria muito mais que esbravejar caso soubesse, haveria no máximo
um discussão entre o casal, mas e o incômodo de tudo isso? Como
ficava a criança no meio dos dois gigantes adultos preguejando?
Melhor era manter as coisas na surdina mesmo.
O tempo do dia ainda permitia que fossem, mãe e filho entram no
carro, o local era um pouco mais à periferia do que onde moravam,
algumas casas coloridas e multifacetadas pintavam o morro, ali entre
casas de muro alto, outras de muro baixo estava uma casinha de
madeira, que parecia estar ali desde o tempo em que soprava o vento.
Havia um banquinho onde as pessoas estavam sentadas, como que fazendo
fila. Os dois sentam ali e a mãe avisa para esperar, como se
restasse alguma escolha para a pobre criança. Sua mãe encontra uma
conhecida alguns minutos depois de se sentarem, parecia ser uma amiga
de algum tempo atrás, ela também trazia seu filho, as duas
compartiam um sorriso de conivência, deixando no ar que faziam algo
escondido. Conversaram, cada uma explicando os eventos que as levou
até ali, ambas estavam com algo incomodando seu filho, ambas haviam
tentado o médico algumas vezes, ambas vinham sem o consentimento de
seus maridos, por sinal o marido da amiga da mãe do filho, era
casada com um médico irmão do médico de confiança da família,
saca? Baixando cada vez mais o tom, a conversa das duas ganhava como
pauta o mal-estar das crianças e a discordância dos maridos,
chegando ao final num sussurro baixo, em alemão colonial,
arrematando o diálogo com ambas balançando a cabeça em gesto
afirmativo deixando no ar uma dúvida sobre o que haviam dito. Tão
logo esta língua desconhecida era pronunciada, chegava a vez deles.
A mãe vai com seu filho para dentro, o lugar era notadamente mais
escuro que o lado de fora, o sol penetrava mais fraco ali dentro
daquele quartinho com uma vela acesa num canto próximo a imagem de
um santo. A benzedeira toca na testa da criança, sua mão leve vai
para a barriga, o que leva a benzedeira a perguntar algo para a mãe
que é confirmado por ela com o mesmo movimento assertivo de havia
pouco. A passos calmos pega uma linha num canto da sala, cortada
habilmente com auxilio da vela. Sussurrando palavras incompreensíveis
para a criança, a linha passeia pelo corpo, indo para lugares
estratégicos. Depois fazendo movimentos no ar e mantendo seus
sussurros, a criança termina sua benzedura. A mãe agradece, deixa
um agrado para a benzedeira, que muito maquinalmente dá seus
agradecimentos e guarda o dinheiro entregue pela mãe num bolso da
roupa.
Sem entender nada do que havia acontecido, a criança volta para casa
com sua mãe, o fim da tarde já acontecia. Tomam seu café, ele é
liberado para assistir o seu desenho na televisão, toma seu banho e
dorme um pouco mais cedo do que o habitual. Para seu pai não fora
dito nada, mas parecia que naquela noite ele conseguia dormir mais
tranquilo, o incômodo havia sumido junto com o sono.
Nenhum comentário:
Postar um comentário