quinta-feira, 29 de abril de 2010

Protocolo



Muitas vezes fazer aniversário soa como algo tão estranho, tão triste. Não me dou bem com essa data, talvez porque todos meus aniversários são assim tão esquisitos para mim. Muitas vezes, dizer o parabéns para alguém, não passa de um protocolo...

***

Devia ser umas 19:00hrs, era o último dia do horário de verão, então já estava um pouco escuro. Meus parentes chegaram, minha avó (carinhosamente chamada de grossmuter), meu tio e a mulher dele – que haviam trazido a avó:

- oi, feliz aniversário!

- oi feliz aniversário!

É o que todos diziam, feliz aniversário, sempre soara tão estranho. Não sabia porque.

Foram se sentando na mesa, pegando refrigerante e cerveja na geladeira, “tem bebida na geladeira”, alguém disse, não lembro quem, sei que não fui eu. Ouvi uma buzina, chegou mais alguém. Fui ver. Era meu pai e mãe, “eu vou lá amor”, eu disse para a minha mulher. Abri o portão para eles:

- Oi feliz aniversário meu filho!

- oi Feliz aniversário meu filho!

É o que sabiam falar, é o protocolo. Ajuda sabe, têm situações que a gente simplesmente não sabe o que falar. Feliz aniversário e quase como dizer para aquela garota chorosa que o namorado dela, que brigou com ela por algum motivo idiota, que ele ama ela – mesmo que os dois vivam brigando e quase não têm mais louça, mesmo assim. Todo mundo sabe esses protocolos, mas têm uns que lêem auto-ajuda, para decorar mais... sabe-se lá, nunca li auto-ajuda...

Meu tio já tinha ido ligar a televisão. Minha tia pegou uma cerveja para ele e uma coca para ela e o acompanhou. Minha avó e minha mãe começaram a trabalhar na cozinha. Eu a minha mulher nos sentamos na mesa principal, e meu pai veio conversar conosco.

- Como é que vai pai, tudo certo?

- nem me fale, estou trabalhando cada vez mais – respondeu se inclinando para a frente, pronto para desabafar e falar o quanto era trabalhador e no fim de tudo, apesar do cansaço, cabelos a menos e stress a mais, defenderia que trabalhar era bom – só para tu ter uma noção, hoje tive um problema para converter £ em Kg.

Ouvi pacientemente e dei minha dispensável opinião.

O telefone toca, atendo:

- Parabéns! Feliz aniversário – esqueci do parabéns, também muito usado, era minha irmã, morava na cidade vizinha com o namorado dela – então, tá tudo certo ai?

- Tá, já veio praticamente todo mundo.

- Que bom, que bom – curto silêncio – olha eu estou ligando para avisar que não vai dar para eu ir, porque o Paulo chegou tão cansado, e a viajem é um pouco longa...

- Não tudo bem eu compreendo, sem problemas – eu respondo, outro protocolo.

- Desculpa, ainda bem que você me entende. O pai e a mãe já estão ai?

- Sim já.

- O pai já está enchendo o saco de todo mundo?

- Como sempre, always.

- é... vou desligar, tenho que começar a cozinhar a janta, cheguei faz pouco tempo do trabalho, pediram para eu e o Paulo ficar até mais tarde na firma, problemas de escritório sabe?

- Claro que sei – por isso fujo ao máximo desses lugares e da “hora extra”.

- tchau

- Tchau – e desligo.

Volto para a mesa, meu pai começa a falar do cortador de grama novo que ele comprou. Minha mulher pergunta para mim quem era, “minha irmã”, eu digo. Ela faz uma careta de impaciência para mim e vai pegar alguma coisa na cozinha. Nesse entremeio minha mãe e avó levam para a mesa a comida que haviam trazido de casa, que eu pedi para fazerem e terminaram de ajeitar na minha cozinha. Eu e minha mulher não sabíamos cozinhar quase nada.

Engraçado que todo mundo vêm para a mesa sem precisar chamar. Vão todos se sentando e a televisão continua ligada, me irritava aquele som alto. Vão pegando a comida todos eles, eu primeiro dizem, “você é o aniversariante, você primeiro”, outro protocolo, hoje é seu dia, você faz aniversário hoje. Peguei e fui comendo. Começa o bate-papo:

- Viram a mulher que morreu fazendo cirurgia plástica? – disse minha mãe.

- É, tem gente que até já morreu retirando varizes, depois deixou a família sozinha- disse meu pai em relação a operação de varizes que minha mãe fez mais de cinco anos atrás, quando ainda morava em casa.

- ah eu vi, ela era tão bonita. – disse a mulher do meu tio.

- que repórter era?- pergunta meu tio.

Ficaram um bom tempo discutindo quem era a repórter. Eu disse umas cinco vezes que era de um jornal local e que não sabíamos quem era. Mas ninguém ouviu, não sei como mudaram de assunto, com meu tio ainda se perguntando quem era a repórter.

Falaram de tudo, tudo que passou na televisão aquele dia. Claro que minha mãe e avó eram as especialistas, já que estavam em casa, meu tio e sua esposa eram os mais interessados. Eu e minha mulher comemos, e conversamos um pouco.

Todos terminam de comer, peço para não cantarem parabéns, chega de protocolos agora, eu pensei. Começaram a falar sobre viajar. Europa, começaram pela Europa. Alemanha sempre abria a conversa. Depois França. Falaram do frio recente que deu na Polônia, alguém disse que era o apocalipse. “O apocalipse já aconteceu, foi escrito pelos cristãos como paródia – não sei se é a palavra adequada – sobre a perseguição dos Romanos aos cristãos”, mas ninguém me deu ouvidos, de novo. Começaram a falar da Argentina e do cone sul (não sabiam que falavam de um lugar chamado cone sul, apenas falava). Falavam de Calafates, viram na Tevê, era um lugar bem frio. Perguntei onde ficava. Um respondeu Andes outro patagônia, meu tio metido a sabichão respondeu, na Patagônia, perto dos Andes. Respondi que isto era impossível, não deram ouvidos e continuaram a falar que lá era muito frio. Em cinco minutos transmitiram toda a informação que a tevê demorou mais de uma hora para passar. Gostava de chocar, falei que ainda queria visitar a África, Gana, Congo, Angola, Senegal, algum lugar dessa região. “Sabia que tem brancos na África?”, meu tio falou de novo. Desembocou-se todo um papo racista na mesa que não me dou ao trabalho de narrar. Fui junto com minha mulher pegar algo na cozinha.

Olharam a hora e começaram a se levantar. Minha mãe a avó foram para a cozinha para lavar a louça, disse que não precisava, que eu lavaria, tive que praticamente empurrar elas para fora. Mas ambas voltaram para lá e lavaram tudo. Arbeit macht frei, é o que estava escrito no portão da entrada de Dachau, eu acho. Fui até a sala, todos envolta da tv. Anos atrás, muitos anos atrás era em volta da fogueira, “evoluirão” anos e anos, para agora fazer a mesa coisa em volta da televisão, ficar ao redor de algo e conversar. Meu pai já estava estirado num canto dormindo. Os outros dividiam a atenção entre a televisão e a conversa se senso de localização geográfica ou de consideração pelas pessoas não Européias ocidentais e brancas. Minha mãe e avó chegam na sala. Minha mãe olha meu pai dormindo, olha para mim e fala” immer dasselbe theater”, eu minha avó e mãe rimos. Minha pequena me pergunta o que isso significava, “sempre o mesmo teatro, é como o nosso, já vi essa peça, mais o menos”.

Todos vão embora na desordem que vieram. A casa fica vazia, desligo o aparelho televisivo, guardo a louça devidamente limpa que estava por cima da mesa. Escovamos os dentes, e deitamos na cama. Fica tudo escuro, tento olhar para o céu, mas as luzes da cidade não me deixam. Fico deitado na cama, ouvindo o silêncio. Sempre foi tão esquisito fazer anos. E durmo.

2 comentários:

  1. Não tenho a hábito de reeler, mas sei que os erros estão aí, aos borbotões.

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  2. de fato esse artifício de uma data é um estranhamento, não por ele em si, que pode ser diferente, mas das atitudes em torno disso, que não mudam. revelam uma desesperança pro ano seguinte... hahaha

    gostei daqui.

    e de seu último comentário no meu blog, também. não prenda-se em dizer pouco. há bastante em branco, por lá.
    aproveite sempre que quiser!

    e felicitações para o seu dia - independente de que dia for, independente da data.

    ;)

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